segunda-feira, 30 de abril de 2012

Tabuada

                                            


Aprendia as quatro operações básicas da Matemática: adição, divisão, subtração e multiplicação.
Eu ia bem em quase todas, mas travava na divisão e até hoje tenho dificuldade com divisão, principalmente com mais de dois números na chave. Divisão por unidade vá lá, mas por dezena, centena...vixe!
A professora avisara que teríamos chamada oral na próxima semana e todos deveríamos estudar a tabuada.
Fui à feira com papai e mamãe e compramos a Tabuada na barraca que vendia temperos, consertava panela de pressão e vendia até maria mole!
Era um livretinho impresso em papel muito simples, mas que foi muito importante para meu aprendizado.
Na capa do livretinho vinha escrito "Ensino Prático Para Aprender Aritmética" e eu estranhei aquilo: "Será que aritmética e matemática são a mesma coisa? E se não for? E agora? "
Abri minha tabuada e estudava enquanto andava pela feira com papai e mamãe. Chegamos em casa e pedi para papai cantar a tabuada para mim; ele perguntava quanto era tanto multiplicado por tanto e eu falava o valor. Achei as tabuadas do 2, do 5 e do 10 as mais fáceis e as do 6, 7, 8 e 9 a mais difíceis.
Chegou o dia da chamada oral e eu me saí bem.


                                              
                                                

Caminho Suave

                                              


Usei a cartilha Caminho Suave na 1ª e 2ª séries. Fui alfabetizada com a cartilha que hoje sofre algumas críticas de educadores, pedagogos, psicólogos e todo o povo dono da verdade e sabe tudo.
Adorava minha cartilha e viaja nas cores, tons, formas e formatos das imagens que ilustravam as histórias e lições.
No primeiro semestre aprendemos o beabá básico e no segundo semestre iniciaríamos a segunda parte da cartilha com os encontros consonantais, dígrafos, os sons da letra X etc...
Eu não sabia como ler palavras escritas com ç e uma das lições da cartilha tinha o título Moça e o cedilha da palavra era um cacho do cabelo da personagem título.
Eu lia "moca", pois não conhecia o som da cedilha e me perguntava para que servia aquele rabinho na letra c.
A professora contou uma historinha para explicar o C e o Ç, era assim: Duas irmãs moravam na floresta e sua mãe havia recomendado que nunca se afastassem muito do quintal da casa quando fossem brincar. Mas uma bruxa malvada estava de olho nas meninas que tinham uma longa e dourada trança. Certo dia, as irmãs passeavam pela floresta para colher flores e a bruxa malvada conseguiu cortar a longa, linda e dourada trança de uma das meninas e por isso ficaram as letras C e Ç. Uma com trança e a outra sem.
Adorei a historinha e imaginava as irmãs passeando pela floresta, mas por que a bruxa malvada queria o cabelo delas? Nunca soube a verdade dessa história.
Depois da lição Moça, aprendemos a lição da Telha (lh), do Crucifixo (os sons do X), da Ambulância ( a letra m antes de p e b), Foguete (gu), Galinha (nh), Pêssego (ss), Garrafa (rr)... E a cada nova lição eu me encantava e viajava no mundo das palavras.


                                                


                                               

Modo de falar

                                                


Viemos lá do Sertão e temos nosso próprio falar, nosso sotaque, nosso "nordestês".
Mãevelha misturava a Língua Portuguesa com a Língua Espanhola e tínhamos uma terceira língua que só nós e aqueles que faziam parte de nossa cultura poderiam entender.
Tive alguns problemas na escola quando comecei a estudar e  confundia a escrita e o som das palavras. Para complicar um pouco mais, em casa falávamos um português diferente do que falava, ouvia e aprendia na escola.
Mãevelha e mamãe diziam: "sangre, venta, basura, oitcho, ancha..." e sabíamos que elas queriam dizer "sangue, nariz, lixo ou vassoura, oito, larga, ampla, cheia"
Nas épocas de chuva e frio as roupas demoravam a secar e Mãevelha dizia que as roupas estavam assombradas (úmidas).
Brincávamos com ela e dizíamos: "Oxe, Mãevelha, a roupa viu fantasma, foi?"
As carnes frescas eram chamadas de "carne verde", pois o adjetivo fresco significava homem efeminado.
Frango é galeto, pois frango também é referência a homem efeminado.
Aqui em São Paulo dizemos carne de vaca, mas no nosso Pernambuco dizemos carne de boi. O motivo é simples: quem vai para o abate é o boi, a vaca fica viva para fornecer o leite.
A canjica nossa é chamada de mungunzá.
O nosso cuscuz é feito apenas com farinha de mandioca, fubá, água e sal.
Em uma viagem com mamãe a Pernambuco, aprendi que arupemba é um tipo de peneira.
Usávamos água sanitária, mas aqui em São Paulo nos habituamos a falar cândida.
Nossa galinha a cabidela aqui é galinha no molho pardo.
Aves machos que são capadas são chamadas de capão.
Galinha caipira é galinha de capoeira.
Frango novo, o galeto, é chamado de frango de leite.
Galinha d'Angola é Guiné.
E a língua continua variando...


                                                 





Não pode mais

Sobrinhos lindos
                                               
Fomos assistir ao primeiro desfile de Maria Julia, que aos nove anos, já ultrapassou a altura da mãe. Aliás, não é muito difícil para alguém ultrapassar minha simpática cunhada no seu tamanho físico.
Depois do desfile fomos almoçar em um restaurante e caminhamos pela calçada até adentrarmos no local. 
Maria Julia e Beatriz caminham de mãos dadas comigo e em um dado momento decidem andar rápido, correr, pular e me convidam para fazer o mesmo. Eu digo que não posso fazer nada disso e Beatriz fala: "Você não pode mais porque você é idosa, né tia Rejane?"


Maria Julia em seu primeiro desfile
                                            

Calibre

Sempre ouvia papai, meus avós e os familiares mais antigos usarem a palavra calibre para se referir ao tipo físico das pessoas.
"Fulano de tal come tanto e é magro que nem um pau de virar tripa"
"É o calibre dele. A pessoa já nasce com o calibre certo pra ser forte ou magro".
Forte significa pessoa um pouco (ou muito) acima do peso.
Não sei de onde vem o uso da palavra calibre para definir o tipo físico das pessoas. 
Vou pesquisar.


                                   

domingo, 29 de abril de 2012

Faustão

Beatriz tem cinco anos e ainda não entende a relação entre tempo, dias da semana, meses...
Ela sabe que é quinta-feira porque é dia de balé e sexta-feira porque é dia de levar brinquedo na escola.
Sábado é dia feijoada, de lavar roupas, de feira e pastel com caldo de cana.
Domingo é dia de Faustão.
A mãe fala que vai lavar seu uniforme e ela pergunta: "Quando eu vou pra escola, mãe?"
"Segunda-feira".
"Segunda-feira é depois do Faustão?"


                                             

sábado, 28 de abril de 2012

Pombos de Gesso

Todos os domingos Paipreto e Mãevelha vinham nos visitar na Fazenda Taquari, onde eu e meus irmãos nascemos.
Quando não podiam nos visitar, mandavam nosso primo João vir me buscar a cavalo.
Mamãe tinha uns pombinhos de gesso na parede do seu quarto e eu sempre cobicei aquelas interessantes figuras; queria pegá-las, tocá-las e depois quebrá-las.
Fiz isso uma vez com mamãe, que me deu um dos pombinhos achando que eu só queria brincar, mas eu quebrei e levei umas boas palmadas.
Paipreto chega para a visita e me encontra chorando; pergunta o que aconteceu e mamãe conta o ocorrido.
Paipreto me pega no colo, me leva até o quarto de mamãe, aponta para os pombinhos de gesso e me pergunta qual deles eu quero.
Quero todos!
Paipreto me dá os pombinhos e eu deixo cair alguns, quebrando-os. Mamãe não gostou nada dessa brincadeira e reclama dizendo a Paipreto que ele lhe tirava a autoridade de mãe.
"Mas bater na minha neta por causa dessas porcarias? Não senhora! Vou até a feira e lhe compro mais desses pombos bestas de gesso. Oxe!"
Saudades dos braços protetores de Paipreto.




                                             

Lanche Mirabel

                                                


Era uma marca de biscoitos tipo wafer e tinha apenas os clássicos sabores morango e chocolate.
Não gosto muito de bolacha recheada, mas gosto muito de wafer.
O Lanche Mirabel vinha em embalagem pequena com oito unidades e era o lanche favorito da molecada na hora do recreio.
Mamãe tinha conta no Bar da Viúva e todas as manhãs eu pegava meu lanche e pedia para marcar na conta dela.
O bar ficou conhecido como o Bar da Viúva após o assalto que terminou com a morte do dono do bar, deixando a esposa e um casal de filhos.
Eu comia o lanche no caminho para a escola, demoraria muito para chegar a hora do recreio.
E por falar em lanche , havia também uma outra marca de wafer da qual gostávamos muito, era Recreio.
Bons tempos aqueles.




                                               

Filmes

                                             


Gosto de filmes e tenho meu favoritos que marcaram época.
Adorava assistir aos filmes da Sessão da Tarde da TV Globo na nossa velha TV preto e branco.
Lembro de alguns filmes que marcaram minha infância e juventude, embora não me lembre os nomes.
Lembro de um filme muito bonitinho onde a menina judia de treze anos finge ser mais velha e estudar em uma escola católica para conquistar o garoto de uma banda de música. A menina faz aula de violão com esse garoto e se apaixona por ele.
Outro filme é sobre alguns rapazes alemães que serviram na guerra e não são bem vistos pela sociedade. Um do rapazes vai à um pequena lojinha do interior para comprar algo e se apaixona por uma garota, filha do dono da loja. O amor proibido e bonito. O pai da menina é muito radical e rigoroso e não quer nem saber falar sobre namoro da filha com um alemão! A menina dá ao rapaz uma camisa que seria dada como presente de aniversário ao pai.
Outro filme ainda é de um agente especial da polícia que precisa levar uma suposta espiã para julgamento e obviamente ambos se apaixonam e enfrentam vários problemas.
O Pássaro Azul foi outro filme que marcou nossa infância e os filmes de aventuras também.
Tinha um filme onde o príncipe fora transformado em macaco pela bruxa má (aliás, tem bruxa boazinha?) e quando o feitiço é quebrado e o príncipe volta à sua forma original, meu irmão Rogério diz: "Eita príncipe feio do caramba! Ele era mais bonito quando era macaco".
Assistíamos ao filme Conflitos No Inverno (Winter People) e Naldão faz sua crítica: "Eita povo feio! Eita cachorro feio, bebê feio...". Todo mundo era feio no filme, na opinião de Naldão.
Gostávamos de assistir aos seriados do MacGyver e do Incrível Hulk.
MacGyver conseguia salvar o mundo com apenas goma de mascar, clipe de papel e elástico. Era um gênio!
Eu tinha dó do David Banner, o médico que se transformava no Incrível Hulk. Tinha muita melancolia e me cortava o coração quando ele caminhava sozinho pela estrada afora.
Mamãe tinha medo do Hulk e tinha medo de ir sozinha ao banheiro durante a noite. Morávamos na pequena casa com quintal grande e o banheiro ficava do lado de fora; mamãe dizia que olhava para o portão e via o Hulk se aproximando para pegá-la e nós ríamos e dizíamos: "Mas mãe, o que raios o Hulk vai querer com a senhora?". Mamãe estava grávida com meu irmão Fubá. Acho que é por isso que ele tem medo do escuro.


                                             

Mar

                                                                                  


Sonhei mais uma vez com águas, com o mar.
Águas aconchegantes como as águas do útero materno.
Aconchego, proteção, segurança, amor...
Estou louca para ver o mar e ao contrário da maiorias das pessoas, não faço questão de dias quentes e ensolarados para ir à praia, se enrolar na areia e ficar parecendo um bife à milanesa. Gosto do mar, apenas isso.
Sol e calor não me apetecem muito.
O mar ficar mais bonito em dias cinzentos e chuvosos.


                                             

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Xadrez

                                                              


Coloquei o tabuleiro de xadrez em cima de um móvel da sala, aparentemente longe do alcance dos meus gatos, mas me enganei. 
Aurora subiu no móvel e eu a mandei descer.
Morena Rosa subiu e empurrava com patinha peça por peça do xadrez; esperava a peça cair no chão para logo em seguida empurrar e derrubar outra.
As peças estão agora espalhadas pela sala e terei um trabalhão para encontrá-las.
Se mamãe estivesse aqui diria: "Não sei quem é mais sem vergonha, tu ou esses gatos"


                                         

Figura

                                            


Dona Maria iria viajar para São Paulo para visitar filhos e netos.
Dona Maria morava sozinha e tinha muito carinho para com suas plantas, principalmente seu amado pé de chuchu. Foram esses mesmos os chuchus roubados por mamãe que mataram nossa fome, certa vez.
Dona Maria deixa a chave da casa com mamãe e diz que ficará apenas uns quinze dias em São Paulo e pede que não deixe de aguar (regar) suas plantas.
Passara-se um mês e nada de Dona Maria voltar e eu digo a mamãe que a vizinha estava em casa sim, pois eu a vira colocando umas panelas no fogão à lenha. Eu tinha visto por debaixo da porta.
Mamãe trabalhava para uma família rica em Gravatá e a patroa tinha um menino chamado Cristiano e ele sempre ia lá em casa para brincar comigo.
Passamos pela cerca de madeira e entramos no quintal da vizinha; paramos para espiar por debaixo da porta e vemos uma figura alta e esguia vestida de preto. A figura não toca o chão, parece flutuar e não é possível ver seu rosto, pois está coberto por um capuz.
A figura anda pra lá e pra cá e alimenta o fogo do fogão à lenha. Panelas grandes e esfumaçantes; a figura mexe as panelas e parece ter pressa em terminar logo aquele preparo.
A figura deixa o fogão e vem em direção à porta, Cristiano e eu corremos de volta para casa e falamos juntos: "Tem uma pessoa na casa da Dona Maria!"
Mamãe diz: "Será? Mas se Dona Maria tivesse chegado teria chamado a gente pra conversar e pra pegar a chave dela. Oxe!".
Mamãe e Mãevelha pegam a chave e vão até a casa da vizinha, abrem a porta e encontram tudo como Dona Maria havia deixado; não havia fogo aceso e nem panela nenhuma.
Levamos broncas por termos inventado uma história absurda daquelas: "Se vocês não têm o que fazer, nós temos, visse? Meninos danados!"
O carteiro vem entregar o bendito e tão esperado dinheiro de São Paulo e entrega também uma correspondência vinda da família de Dona Maria endereçada à mamãe: Dona Maria havia falecido e em breve alguém da família viria a Gravatá para tratar da venda da casa e que até lá mamãe fizesse a gentileza de olhar a casa e aguar as plantas.


                                           


                                         

Pista

                                           


Morávamos em Gravatá, Pernambuco, e nossa casa ficava próxima à rodovia, mas nós dizíamos pista.
Corríamos para fora para vermos os carros e os ônibus passarem; era um novidade e uma festa para nós.
Quando passavam ônibus na pista, meu Paipreto dizia: "Eita que aquele ôinbus vai é pra Sum Paulo".
Fim de tarde bonito, céu azul, nuvens brancas e fofas como algodão, chão de terra vermelha.
Brincávamos de "Gata pintada, quem foi que te pintou, foi a véia catingueira e por aqui ela passou..."
Ouvimos um estrondo e vamos ver o que é; toda a vizinhança sai de suas casas para saber a causa daquele barulho assustador. Caminhamos até a pista e lá vemos um carro vermelho de passeio com uma moça ao volante e um senhor branco, gorducho e careca no banco do carona. Vidros estilhaçados por todo o carro e pelo corpo e rosto dos passageiros. Sangue também.
Um dos curiosos presentes na cena diz: "Foi um desastre".
Hoje dizemos acidente automobilístico/de trânsito, antes era desastre.
Mãevelha me tira dali e me manda de volta para casa; aquilo não era coisa para criança ver.
Olho de novo para as pessoas dentro do carro, deveriam ser pai e filha.
Alguém diz que estão mortos e que a polícia está a caminho.
A moça está debruçada sobre o volante e o senhor está com o corpo jogado para trás e encostado no banco, ele tem vidro e sangue por todo o rosto e corpo, ele sorri para mim.
Tento dizer às pessoas ali em volta que aquele homem não está morto, ele sorriu para mim, é preciso ajudá-lo.
Mãevelha e as pessoas em volta dizem que criança fala cada coisa!




                                           




                                     

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Notícia

Vinícius liga para minha irmã Rosi e diz: "Tia Rosi, tenho uma notícia terrível pra te dar".
"É mesmo? E o que é?"
"A Ana Maria Braga morreu! Mas não tem problema, a minha mãe pegou emprestada a gata da vizinha e ela vai amamentar os gatinhos".
"Que bom, né Vinícius?!
Ana Maria Braga era uma gata de três cores e que se parecia com minha gata Joana Aparecida da Silva. 
Ana Maria Braga era a gata das crianças do meu irmão Rogério.
Que Ana Maria Braga descanse em paz.
Amém.


                                    

Esmalte

Esmaltes Avon, os preferidos de Beatriz
                                             
Fui à casa da minha irmã Rosi e lá chegando encontro Beatriz que não fora à escola.
Perguntei porque ela faltara e ela disse que não estava se sentindo bem e que fica muito cansada quando tem aula de balé. 
Beatriz brincava com sua boneca Xuxa, que mais parece a atriz americana Glenn Close, e a vestia com roupas e sapatos que usou quando era pequena. Eu provoco: "Esse vestido era seu, Bibi?"
"Era sim"
"Você usou quando era criança?"
"Mas eu sou criança!"
Vejo uma caixa de bombons em cima de mesa e peço um e a resposta é: "Acabou tudo, tia Rejane"
"Não tem nenhunzinho, Bibi?"
"Não. Eu vou colocar a caixa no lixo reciclável".
Rosi separa o lixo reciclável e o lixo orgânico para a coleta.
Beatriz me pergunta se eu quero pintar as unhas e eu digo que sim; ela vai ao seu quarto buscar seus esmaltes e pergunta que cor eu quero: roxo.
Eu pergunto se todos aqueles esmaltes são dela e ela diz: "São sim, comprei da Avon".
Rosi sobe para nos ver e pergunta a Beatriz: "O que essa caixa de bombom está fazendo aqui no lixo reciclável?"
Beatriz dá um sorriso sacaninha e Rosi percebe porque ela colocou a caixa lá.
Terminada a pintura das unhas, Beatriz passa um esmalte secante, que para secar mais rápido e depois pinta cada unha com uma cor diferente. Está na moda.
Ah bom.
Pergunto se posso beijar-lhe os cabelos galegos avermelhados e ela faz charme e diz que não e que vai me ofender: "Sua palmeirense!"
"Isso é uma ofensa grave, Beatriz! Vou falar pra sua mãe!"
Beatriz ri gostosamente e volto para casa com as unhas coloridas.


                                     

Igreja Matriz de Gravatá

Igreja Matriz de Gravatá - Pernambuco
                                            
Estava na Igreja Matriz de Gravatá com Mãevelha e Paipreto.
Papai e mamãe estavam fazendo a feira.
Mãevelha assiste à missa com seu véu a cobrir-lhe os cabelos e o rosário em suas mãos branquinhas e enrugadas. Meu Paipreto segura seu chapéu coco junto ao peito.
Rezam, cantam louvores, ouvem o sermão do padre, comungam... A missa continua.
Estou inquieta, olho tudo à volta, observo as pessoas compenetradas, a fé em suas feições.
Mãevelha faz sinal para eu ficar quieta e Paipreto diz que se eu não ficar quietinha, Papai do Céu não vai gostar, vai ficar triste.
Forma-se a fila para receber a hóstia e eu caminho pelo corredor da Igreja segurando nas mãos dos meus avós. Caminhamos lentamente ao encontro do padre que colocará a hóstia na boca dos fiéis. Eu também quero. "Pode não".
Enquanto caminho observo as imagens dos santos, as pinturas, os vitrais.
Olho para trás e vejo um homem de estatura mediana vestido em trajes bem parecidos aos dos santos. Eram tecidos de cores em tons crus e vermelhos. O homem sorria.
Puxo a mão da minha avó e digo: "Mãevelha, aquele homem ali é igual ao santo, a senhora viu?". "Se aquiete, tu vai atrapalhar a missa do padre e o povo da igreja não gosta de menina enxerida não".
Voltamos a nos sentar e a missa estava próxima do fim. 
Mexo e remexo, olho para trás, para os lados e o homem vestido com aqueles panos sorri para mim de novo.
A missa termina e nos preparamos para ir embora. Puxo Mãevelha pela mão e a arrasto até a imagem do homem que havia sorrido para mim e digo: "Olha, Mãevelha, era esse homem que estava sorrindo pra mim".
"Oxe, deixe disso, essa menina. Isso é pecado. Não pode desrespeitar a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo".
Mas eu juro por Deus que Ele sorriu pra mim!


                                         

Ritinha

                                                


Estava em um hospital e tive alta. Fubá veio me buscar e deixa Rafaela com mamãe a brincar nas areias de uma praia. Sol de um dourado lindo e aconchegante.
Estou vestida elegantemente e usando sapatos de salto alto. Eu fiquei tão feliz por estar calçada com sapatos normais; isso queria dizer que eu estava boa e não cresceria mais!
Estou pronta para ir embora mas me chama a atenção uma menina negra de uns cinco ou seis anos que está sozinha em um quarto do hospital.
Eu a chamo para vir comigo, mas ela não pode sair dali. Por quê?
Procuro por algum médico, enfermeiro ou alguém que possa me explicar porque a menina não pode sair dali, porque a menina está sozinha, porque ninguém está com ela e me recuso a deixar o hospital enquanto alguém não me explicar direitinho o que está acontecendo. Deixar uma criança sozinha! Que absurdo! E por que não posso leva-la comigo?
A menina continua no quarto e no corredor vejo um homem negro, alto e vestido com jaleco branco a se aproximar de mim. O homem conversa comigo e explica a situação, mas eu não consigo ouvir e entender o que ele diz. 
Deixo o hospital com meu irmão Fubá e vamos ao encontro de mamãe que brincava com Rafaela na areia da praia numa belíssima e aconchegante tarde de sol.
A menina negra que ficara no quarto do hospital era Rita; Ritinha.
Ritinha tinha vergonha por ser negra; ela vivera em uma época de muito preconceito. Não é muito diferente hoje.
As pessoas deveriam ser julgadas por seu caráter e sua conduta e não pela cor de sua pele.
Ritinha era doente e vivia internada.
Ritinha morreu no hospital um mês antes de completar seis anos.
Que Ritinha tenha paz, aconchego, amor, alegrias e esteja sempre na companhia de Deus e do Povo lá de Cima.
Amém.


                                                
                                          

Zé Pelintra

                                         


É um homem negro, alto, elegante e que traja terno e chapéu brancos com fita e gravata vermelhas. Sapatos bicolores: branco e vermelho.
Zé Pelintra é da Umbanda, do Catimbó e está presente em vários outros cultos brasileiros.
Conheci Zé Pelintra depois de adulta, pois quando era criança, achava que ele era um homem comum.
Mamãe chamava muito por Zé Pelintra e papai o chamava de Mestre Zé. Salve seu Zé Pelintra!
Mamãe chamava seu Zé Pelintra quando queria nos fazer medo e assim obedecê-la. Aprontávamos nossas artes e deixávamos mamãe louca com nossas teimosias e malcriações.
Mamãe já não tendo mais argumentos para nos fazer comportar, dizia ameaçadoramente: "Vou chamar Zé Pelintra para dar um jeito em vocês! Só assim vocês obedecem!".
Corríamos para o quarto e fechávamos a porta. Olhávamos por uma brecha para ver se tinha alguém se aproximando. Ninguém.
Naldão, Rogério e a pequena Rosi ficavam atrás de mim enquanto eu abria lentamente a porta e caminhava em direção aos outros cômodos da casa; cadê esse Zé Pelintra? Queria vê-lo, encará-lo, desafiá-lo. Dizia para mim mesma e para meus irmãos: "Mas quem esse Zé Pelintra pensa que é? Vir à nossa casa para dar ordem na gente?! Manda ele vir aqui que eu quero ver!"
Zé Pelintra. Sempre simpático, elegante e educado.
Salve Zé!


                                           

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Tardes

                                        


Adoro os fins de tarde, principalmente fins de tarde outonais.
O sol, o céu de um azul lindo e intenso, o vento frio.
Muitas árvores em flor: quaresmeiras, paineiras, jasmins...
As tardes frias e ensolaradas me trazem boas lembranças, doces lembranças.
Adoro Outono.
É isso.