sexta-feira, 29 de junho de 2012

Rosi

Rosi com Bibi no colo e ao lado do meu irmão Rogério e nossa cunhada Vanda
                                    


Hoje é vinte e nove de junho, dia de São Pedro.
São Pedro é o que cuida das chuvas e quem tem as chaves do céu.
São Pedro é padroeiro dos pescadores e o primeiro papa da igreja católica.
Meu Paipreto nasceu em vinte e nove de junho de 1885, dia de São Pedro.
Em vinte e nove de junho de 1974, nasce minha bela, inteligente e culta irmã Rosi. E corinthiana, claro. Graças a Deus.
Já contei aqui sobre o nascimento de Rosi e o motorista de taxi que se perdera no caminho para o hospital, mamãe com dores e papai preocupadíssimo em não passar em frente ao Corinthians para que o bebê não fosse corinthiano.
Minha Mãevelha queria que mamãe batizasse Rosi com o nome de Pedrita.
Rosi é o bebê que mamãe foi buscar no hospital e pedi a ela que mandasse outra pessoa buscar. 
Rosi é a irmãzinha que ficou internada porque ficou com vontade de comer bolo.
Rosi é a irmãzinha para quem comprei uma boneca morena vestida de índia.
Rosi é a irmãzinha para quem fiz mingau e coloquei nos potinhos verdes de iogurte e disse que era iogurte de coco.
Rosi é a irmã que defendeu os pobres gatinhos das artes do nosso irmão Rogério.
Rosi é a irmã que enciumada não gostou nada nada da chegada de Fubá e disse para mamãe devolvê-lo ao hospital.
Rosi é a irmã que despejou o talco em Fubá quando ele era bebê.
Rosi é a irmã que anos mais tarde doaria parte de seu fígado para Fubá. Foi feito um transplante chamado de "entre vivos", pois nosso irmão não suportaria esperar na fila de transplantes.
Rosi é mãe da minha belíssima, inteligentíssima e terrível Beatriz.
Rosi é a menor de nós seis e por isso é chamada de "Formiga" por nós e de "Fuimiga" pelo nosso irmão Cebolinha, o Rogério.
Hoje é aniversário de Rosi.
Peço a Deus, a São Pedro e ao Povo lá de cima que abençoem minha irmã, a protejam, a iluminem. 
Que tua casa tenha paz, tenha luz, tenha alegria, tenha fartura, minha irmã.
Que teus sonhos se realizem, se não todos de uma vez, mas um bocadinho a cada dia.
Amem.




                                      







São João

São João
                                   
São João é comemorado no dia vinte e quatro de junho.
São João mais Santo Antônio e São Pedro fazem parte da tríade junina.
São João era dorminhoco, sossegado, "na dele".
São João tem cabelos cacheados e quando um nordestino encontra alguém assim, diz: "Olha os cabelos de São João".
Antigamente saíamos pelas ruas do bairro a catar madeira para nossa fogueira. Levávamos carrinho de feira, sacos e sacolas para trazermos a madeira; encontrávamos facilmente pedaços de pau pelos terrenos baldios e pelas chácaras.
Dizíamos: "Mãe, nós vamos catar madeira pra fazer a fogueira de São João, viu?"
"Tomem cuidado e vão com Deus".
Hoje isso não seria possível. Hoje não há mais chácaras e terrenos baldios, hoje há muito trânsito e muito perigo. 
Antes "batíamos os quatro cantos do mundo", como dizia mamãe, íamos aos mercados, padarias, às casas da parentada e nada demais acontecia. Não tinha essa confusão moderna que temos hoje. É até um crime deixar crianças andarem sozinhas pelo bairro.
Uma pilha de madeira no quintal, bolos de fubá com coco e erva doce esperando para serem devorados, pinhão cozinhando, quentão, alegria.
Fogueira acesa e batatas doces colocadas sobre as brasas, milho assado e cozido também.
Era tão bom.
Mas não temos mais ruas de terra e quintais grandes.
Temos asfalto e quintais pequenos e cimentados.
Mas o São João continua bom!
Crianças enfeitadas e vestidas de caipirinhas dançando quadrilha nas festinhas juninas da escola. Acho tão bonitinho.


                  
                                     

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Comer

                                       


Sempre que saio procuro fazer uma refeição leve, a não ser que vá comer fora.
Evito comer alimentos preparados em carrocinhas nas calçadas e expostos à sujeira e sem muita higiene.
Consumo água de garrafinha ou sucos de frutas levemente gaseificados e sem açúcar. Sempre tenho muita sede.
Estranho certos hábitos das pessoas de comer qualquer coisa em qualquer lugar. Tem que ter estômago e coragem.
Estacionei atrás de um trailer que vendia cachorro quente e outros sanduíches. Uma moça pede um um "dogão" e a cada mordida colocava mostarda e ketchup e isso porque o sanduíche já vem empanzinado com purê de batata, maionese, batata palha e o escambau!
Acho estranho comer em certos locais como cemitérios, hospitais, postos de saúde, sala de espera de consultórios médicos...
São lugares onde se encontram pessoas adoentadas, tossindo, espirrando...
Não da! Pelo menos para mim.
Lembro que estava no Hospital aguardando minha vez de entrar para ver mamãe e uma garotinha come salgadinhos; um dos salgadinhos cai no chão, ela pega, assopra, passa na roupa, leva à boca e diz: "O que não mata engorda".
Piso de hospital por onde centenas de pessoas passaram. Imagina só.
Tenho minhas manias, minhas cismas e não como qualquer coisa em qualquer lugar.
Minha saúde é importante para mim e para ser honesta, já experimentei esses combos com nomes gringos e para mim todos têm o mesmo gosto de nada.
É isso.


            
                                       

Óculos de Sol, Buzanfa, Biscoitos e outras observações...

                                  


Fui à Farmácia Alto Custo para pegar meu remédio e o do meu irmão Fubá também.
Papelada conferida e me são entregues duas senhas com numeração diferente; pergunto à funcionária se é realmente necessário, pois vou pegar os remédios juntos. Ela diz que para cada tipo de procedimento exige-se uma senha específica.
Aguardo e confirmo a numeração; havia cem pessoas na frente da senha do Fubá e "apenas" sessenta e três na minha.
Algumas vezes têm apenas cinco ou seis pessoas na minha frente, mas ultimamente esse número tem sido elevado.
O salão de espera estava lotado e um frenético entra e sai de pessoas; uns reclamando da demora, outros reclamando da burocracia, outros da falta de informação adequada...
Uma senhora perua com a filha aborrecente e fashion sentam nas cadeiras da fileira do corredor de entrada, as pessoas tinham que diminuir o passo e desviar das pernas cruzadas das dondocas sem noção. 
Mesmo com o entra e sai de pessoas as dondocas não descruzavam suas pernocas de jeito nenhum, todos que passavam esbarravam nas pernas delas.
Uma senhora oxigenada e com óculos enormes que pareciam tomados de Willy Wonka ruminava tranquilamente biscoitos de polvilho e nem viu quando sua senha foi chamada; alguém teve que alertá-la.
Uma senhorinha religiosa acompanhada pela neta bocuda e mal criada que saía empurrando todos pela frente. Talvez o pastor devesse tirar a falta de educação do corpo da menina: "Sai desse corpo que não te pertence!"
Observo e sou observada. Sempre.
Um grupo de velhinhas reclamam que não receberam o remédio que deveria ser entregue pelo serviço de motoboy.
Um rapaz alto entra; seu corpo tatuado, seu andar gingado, relógio de Itu no pulso (dava para ver a hora a um quilômetro de distância!) e os óculos de sol na nuca. Alguns usam no alto da cabeça, como a personagem Leleco da novela Avenida Brasil.
Acho horrenda essa moda/mania de colocar os óculos na nuca. Isso é horrível e passa atestado de malandro exibido.
Uma senhora com o traseiro diametralmente desenvolvido senta-se ao lado das peruas de pernas cruzadas e sua buzanfa sobra para os lados em sua cadeira e incomoda as dondocas.
A senhora de buzanfa vitaminada entra mastigando um sanduba de linguiça que é preparado por um dos muitos vendedores de alimentos que fazem ponto próximo à farmácia. 
Imagino aquilo exposto à poluição, fumaça dos automóveis, poeira... Mas é tudo caseiro, come lá e morre em casa.
Minha senha é chamada. Aleluia!
Papelada entregue, conferida, documentos, assinatura e aguardar os remédios.
Tudo pronto e saio de lá.
Trânsito caótico numa bela tarde de sol. Radial Leste congestionada, como sempre.
Vou primeiro levar os remédios de Fubá e lá encontro Rafaela que ao me ver faz biquinho pedindo para eu cantar. Canto, ela tenta acompanhar com aquela boquinha linda e sorri.
Voltei para casa e encontro a calçada suja com linha de pipa e pipas rasgados e o doce menino do vizinho diz que não foi ele, claro. É a inocência em pessoa.
Tomei banho, alimentei a gataida, comi alguma coisa e estou aqui a escrever meus causos "venéricos", como diz Fubá.
É isso.


                                   

Uniforme

                                  


Assisto agora ao SPTV que mostra reportagem sobre uniforme escolar.
Crianças indo para a escola com roupa comum ou com uniforme velhos do ano anterior.
Já falei aqui e repito: somos seis filhos e nunca recebemos uniforme ou material escolar de governo bonzinho e paternalista; mamãe sempre trabalhou  para comprar pelo menos o básico que garantisse nossa vida escolar.
Usamos muito uniforme e roupa usada que foram doados por vizinhos ou patroas de mamãe.
Mãevelha lavava, costurava, consertava, passava e íamos para a escola com nosso uniforme reciclado. O material escolar era comprado só pela metade, se na lista pedisse cem folhas de papel sulfite, iriam cinquenta e assim por diante. Os livros didáticos também eram comprados e tínhamos prazo para trazer o dinheiro para a professora que os compraria direto da editora e assim conseguiria um preço melhor.
E ela avisava: "Quem não trouxe o dinheiro do livro deve trazer até tal dia, pois teremos prova no dia tal".
Alguns coleguinhas mais legais emprestavam e nos deixavam copiar, mas sempre tinha aqueles fominhas que não emprestavam nada, regulavam tudo e ainda diziam: "Minha mãe não deixa eu emprestar".
Hoje vejo reportagens e mais reportagens sobre reclamações de mães cujos filhos não receberam uniforme nem material escolar. Uma mãe fez cara de vítima e disse que teve que tirar do bolso trinta reais para comprar um par de tênis para o filho. Tadinha! Deve ter tirado do dinheiro que seria para comprar a tinta e a química para alisar e aloirar suas madeixas.
Outra reclamação recorrente é sobre a falta de creches ou a distância até elas. Mães com crianças no colo e a típica cara de vítima e reclamando, claro. Uma delas disse que teve de deixar o emprego para cuidar da filha porque não havia vaga na creche e ela não tinha com quem deixar a criança; não tinha também condições de pagar cento e cinquenta reais para uma escolinha particular. É, mas o cabelinho estava esticadinho e loirinho, combinando totalmente com a realidade nórdica de nosso país tropical.
Se é para reclamar, bancar a vítima e esperar pelo governo bonzinho e paternalista, então não tenha filhos! Vá aos postos de saúde e lá terão disponíveis camisinhas, DIU, pílulas e outros métodos contraceptivos.
Mas dá um trabalho... Talvez queiram que o governo mande entregar em casa os contraceptivos também.
Eu sempre achei que quem criava os filhos eram os pais e não os avós ou o governo!


                                   

Família

                                    




Assistia ao programa "Encontro com Fátima Bernardes" e me chamou a atenção uma matéria feita sobre família.
Foram entrevistados jovens e seus pais e falado sobre mesada, sobre filhos que já constituíram família mas que moram com seus pais.
Uma mãe estava em um shopping com o marido, o filho, a nora e o neto e todos moram na mesma casa. A mãe alegou: "Ele ainda não tem condições de se manter sozinho, por isso nós resolvemos ajudar e todos moramos juntos na mesma casa".
Bom, na minha humilde e "inguinórante" opinião, se esse rapaz teve condições de engravidar uma moça então deveria ter condições de assumir sua própria família!
Filhos não brotam em árvores, nós os fazemos.
Filhos não pedem para nascer e nem para serem feitos, nós os fazemos.
Penso assim: se não temos condições de nos manter, para que então trazer outra pessoa ao mundo? Para empurrar para os avós criarem? Conheço muitos casos assim.
Mamãe dizia: "Mateo que o pariu, Mateo que o balance"
Mas esse é um comportamento recorrente na sociedade atual; jovens fazendo filhos e deixando a responsabilidade para seus pais. 
Acho que já falei aqui, mas vejo muitas avós em porta de escolas para levar e buscar os netos enquanto os filhos e filhas trabalham, estudam, se divertem e agem como se seus filhos fossem apenas um acidente de percurso e obrigação e responsabilidade dos avós. E não duvido nada que em apenas alguns anos esses netos seguirão o exemplo dos pais e trarão bisnetos para os avós cuidarem!
Vida longa aos avós!


                                  

Oração

                                  


Léo Caramelo correndo pra lá e pra cá esbarrou nos meus anjinhos e os quebrou. 
Aurora correndo atrás de Morena Rosa esbarrou no meu São Jorge e lhe quebrou o pescoço, ficou cabeça para um lado e o corpo para outro.
Colei e ficou perfeitinho.
Libertadores. Corinthians X Boca Juniors na Argentina.
Argentinos são italianos que falam espanhol mas pensam que são ingleses.
Jogo tenso e observo o espaço pequeno da área onde ficam jornalistas, policiais e gandulas. Muito perto do gol e reparei que quando os jogadores do Corinthians iam bater escanteio, um policial tinha que levantar o escudo para protegê-lo. Depois falam que nóis, os Corinthia, é que somos maloqueiros.
Bom...
Boca Juniors marca o primeiro gol e a tensão, o stress, a agonia e o sofrimento são grandes; típicos de corinthianos. 
O tempo passando e o Boca na frente. Foi aí que recebi a inspiração divina: "Faça uma oração a São Jorge".
Fiz e foi assim a poderosa oração: 
São Jorge, é o seguinte, se liga na parada que eu vou dar a fita.
O Corinthians está sofrendo, perdendo pra esse time de argentinos folgados e você não tá vendo isso, mano?
Então é o seguinte, tu tem duas opções: ou ajuda nóis ou descolo tua cabeça e só colo de novo quando o Curinthia sair dessa situação difícil, tá ligado?
É Nóis.
Amem.
Romarinho entra no segundo tempo e marca o gol do empate.
Chuuuuuuuupa Boca!  Chuuuuupa antis.
Semana que vem tem mais, e se Deus quiser e com a ajuda de São Jorge e o poder da oração, vai dar Corinthians.




                                 



quarta-feira, 27 de junho de 2012

Carne moída com batata e arroz

                                                  




Mamãe sabia cozinhar como ninguém. Seus temperos eram divinos.
Ninguém sabia temperar uma carne como mamãe.
Adorava quando mamãe cozinhava pedaços grandes de carne e depois fritava ou assava, a carne ficava tão macia que desfiava.
Gostava também quando mamãe preparava carne moída com batata e arroz. Eu brincava dizendo que parecia comida de cachorro de rico.
Eu chegava do trabalho e mamãe dizia: "Filha, tem aquela carninha moída com batata e arroz que você gosta".
"A senhora fez comida de cachorro de rico, mãe?"
"Menina danada! Olha o respeito! Comida é sagrada e tem muita gente que não tem o que comer".
"Eu sei mãe, só estava provocando a senhora"
"Mas tu não jeito mesmo, né Rejane?"
E eu me deliciava comendo carne moída com batata e arroz preparados por mamãe.




                                          

Leão do Norte

                                   






Ehhhhhhh Boi. Meu pai e meu avô sabiam aboiar como ninguém. Aboiar é canto belo e melódico que chama o gado. Tem que ser cabra muito macho para trabalhar sob um sol escaldante e passar por entre plantas espinhosas.
É a luta pela sobrevivência.
É meu Nordeste lindo e arretado.
É meu Sertão seco, castigado, esquecido pelos políticos e às vezes até por Deus que se encanta com o aboio e se esquece de ouvir as preces do sertanejo a pedir um bocadinho de chuva pra molhar a terra e a plantação.
Emociona-me tal imagem.
Saudade arretada de grande da minha terra, do meu Sertão. 

Ehhh boi.
Sou Mameluco
Sou de Casa Forte
Sou de Pernambuco
Sou Leão do Norte





                                       

Satisfeito

                                         


Paipreto recebia visitas de fazendeiros e auto proclamados coronéis.
Recebia também a visita de gente comum moradora da região e dos pretendentes à mão -e a todo o resto - das filhas solteiras.
Ao contrário da humildade e timidez das pessoas mais simples, o traço mais marcante dos auto proclamados coronéis era a arrogância: "Como vai vosmecê e a família, seu coroné?"
"Do jeito que você tá vendo! E que interesse você tem em saber de minha família?"
Uma tarde o coronel estava conversando com Paipreto quando chega outra visita, às vezes era um desafeto, e para cutucar a onça com vara curta, Mãevelha perguntava: "Seu Coroné, o sinhô vai esperar por seu José pra modi ir simbora?"
"Oxente! Esperar por quê? Não vim com ele e nem nasci agarrado com ele! Vôte!"
Paipreto e Mãevelha ofereciam almoço ou alguma refeição, de acordo com a hora da visita: "O sinhô quer mais um bocadinho dessa carne?"
"Quero não. Eu tô sastifeito. Se eu quiser mais eu mesmo pego!".
Quando o arrogante coronel finalmente ia embora, Mãevelha comentava com Paipreto: "Vôte, que homi mais inguinórante!"
As visitas continuaram sempre frequentes com meu Paipreto sendo um bom escutador de causos e histórias e minha Mãvelha uma boa e educada anfitriã.




                                              

Carl Sagan e o céu

                                         


Crescemos ouvindo que Deus, os santos e os anjinhos moram no céu.
Víamos mamãe levantar seu poderoso olhar aos céus e pedir ajuda, proteção e dias melhores a Deus, a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a Padim Ciço do Juazeiro, a Nossa Senhora de Aparecida ou ao santo que estivesse de plantão no momento.
Assistíamos ao Jornal Nacional e uma notícia me chama a atenção: "Norte-americanos estudam imagens enviadas por satélites no espaço".
Penso comigo: "Quem são esses norte-americanos? Como é que se chama o país deles?"
A reportagem continua, agora mostrando imagens espaciais: a lua, planetas, asteroides, estrelas e uma infinidade de corpos celestes. 
Olho tudo muito atentamente. Procuro Deus, um santo ou anjo naquelas imagens, mas só vejo planetas. Pergunto indignada: "Oxe, mas se Deus, os santos e os anjos moram no céu por que não aparecem nas imagens da televisão? Onde estão?"
Mamãe responde: "Estão escondidos atrás das estrelas e dos planetas"
"Por quê?"
"Porque eles têm muito o que fazer, não podem perder tempo aparecendo na televisão. Deus não gosta".
"Por quê?"
Alguns anos depois estreou o programa Cosmos que falava sobre planetas, galáxias, universo e afins apresentado pelo astrônomo Carl Sagan. 
A programação era assim: Sítio do Pica Pau Amarelo, Mundo Animal, Cosmos, a TV Globinho e depois o Globo Esporte, o Jornal Hoje...
Eu adorava o programa sobre astronomia e viajava nas explicações sobre buracos negros, supernovas, quasares, pulsares...
Eu tinha (ainda tenho, confesso) medo dos buracos negros, que engolem até a luz!
Carl Sagan morreu em 1996 e sua última obra, Bilhões e Bilhões, foi publicada após sua morte. Eu tenho o livro.
Posso dizer que, além de Lobão e Casagrande, Carl Sagan foi uma de minhas paixões.


                                                



Folga

Alice, Aurora e Branca
                                 


Hoje tirei o dia de folga.
Dei-me folga.
Vivo na correria, no vai e vem.
Estou cansada.
Trânsito, dores, cansaço, vontade de chegar em casa, tomar um banho, comer alguma coisa, ler, me aconchegar no sofá com a gataiada, reclamar que não tem nada que preste na televisão, ir para o quarto com um livro e a gataiada, ler com a gataiada aconchegada aos meus pés, minha cabeça, do meu lado...
Gatos por todos os lados e exatamente nessa ordem.
Todos comem juntos e dormem juntos, mas quando não estão fazendo nenhum dos dois, brincam, correm, perseguem uns aos outros, trocam patadas e depois se lambem. Vai entender...
Meu Paipreto dizia: "Deus me livre dos mansos, que dos brabos cuido eu".
Esse povo muito calmo, sonso, quietinho são os mais perigosos, pois quando decidem reagir... Sai de baixo!
Minha Alice é assim: lânguida, clássica, elegante, calma, tranquila, "na dela", mas quando se alia à minha terrível Aurora atormenta a pobre da Morena Rosa e quando se alia a Ébano Nêgo Lindo, atormenta meu lindo, vesgo e meigo Léo Caramelo.
É isso.




Léo Caramelo e Morena Rosa
Léo Caramelo e Ébano Nego Lindo

Papai

                                                 


Papai orgulhava-se de ser pernambucano, palmeirense e macho. Exatamente nessa ordem.
Papai foi um homem bonito: cabelos escuros, pele clara e olhos verdes agateados. Papai era o Tom Cruise do Nordeste.
Papai era muito trabalhador, honesto, "inguinórante", teimoso, manhoso, cabra da peste.
Papai não era muito empreendedor, não era forte; dava um passo à frente dois para trás.
Mamãe era forte, titânica e empurrava papai para a frente.
Papai trabalhava duramente, levantava cedo, chegava sempre antes do horário, não gostava de chegar atrasado. Papai era agoniado e avexado, como dizia mamãe.
Papai era meio Gregor Samsa, personagem de Kafka no livro "A Metamorfose". Só trabalho, honestidade, cumprir horários, obedecer.
Papai nunca faltava ao trabalho, mesmo doente.
Papai temia deixar faltar o "de comer" em casa. Papai temia que os filhos passassem fome.
Uma vez papai ficou alguns dias em casa e eu estranhei ver meu pai tão trabalhador ali, dentro de casa. 
Papai tinha muitas dores de cabeça. Papai foi ao médico, depois ao hospital e finalmente voltou para ficar alguns dias em casa para se recuperar e só então voltar ao trabalho. Papai trabalhava na Moóca, na Rua Taquari.
Papai havia feito uma pequena cirurgia na cabeça; foi para remover um tumor que se formara entre o cérebro e o crânio. Papai tinha um curativo em sua cabeça e o esparadrapo branco parecia um laço de fita que combinava com a calça social e com a camisa rosa clarinha. A moda do jeans ainda não era tão forte naquela época.
Papai agachado segurando uma toalha sobre a perna de Mãevelha. 
Mãevelha com uma veia estourada a sangrar através da pele fininha que se rasgara ao raspar na porta do banheiro.
Sangue.
Sangue na perna de minha avó e o curativo na cabeça do meu pai.
O vizinho vem ajudar e leva papai e Mãevelha à farmácia; voltam os dois com curativos limpos e novos.
Papai volta a trabalhar. Papai usa chapéu para proteger a cabeça do sereno e da friagem que "ofendiam" ainda mais suas dores de cabeça".
Papai não tinha culpa de ser fraco e medroso, papai fora criado sem mãe e por muitas madrastas que iam e vinham. Deixavam filhos e levavam pedaços de terra do meu avô José, que era homem de posses para a época.
Avó Mariana fora embora muito cedo e deixou papai pequeno, como apenas cinco anos.
Avô José, moreno bugre de belos e tristes olhos verdes era ainda jovem, bonitão e sedutor e encontrava facilmente pretendentes que muito queriam saber de seus bens e pouco queriam saber de seus filhos e dele mesmo.
Foram criados um cuidando do outro.
Hoje sonhei com papai e ele conversava e sorria. De repente alguém diz que papai morreu. Como?! Papai já morreu! São quase dois anos! Oxe!
Uma dor e uma tristeza imensa me invadem; acordei chorando.
Saudades.
Meu Deus, que papai e mamãe tenham paz, saúde, alegria e sossego; já trabalharam e sofreram demais quando estavam por aqui.
Acredito que papai estava em tratamento e agora que está melhor, passou para um outro lugar mais elevado. Papai estava tão fraquinho quando foi embora.
Meu Deus, olhai por nós. Olhai por papai, mamãe e por todos nós aqui.
Que sejamos felizes, que tenhamos paz, saúde, alegria.
Amém.