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sábado, 27 de outubro de 2012

Geladeira

                                 

Não tínhamos geladeira e colocávamos as frutas e legumes debaixo da pia, que era mais fresquinho e conservava mais.
Naqueles tempos, geladeira, máquina de lavar, microondas e outros eletrodomésticos eram coisa só de gente rica, os pobres se contentavam com um fogão básico e quando dava, comprava uma geladeira "véia" usada.
Mamãe chegou em casa dizendo que o cunhado da vizinha nos venderia uma geladeira usada, legal.
Era um trambolhão enorme, amarelo canário e com um puxador bem estranho. Adoramos! Agora temos geladeira e podemos tomar água e suco geladinhos!
O eletrodoméstico durou uma boa década e no fim da vida começou a dar problemas: choques, a porta do congelador havia caído e o puxador havia quebrado; era preciso amarrar a extremidade de uma corda no puxador e a outra extremidade em um prego batido na parede logo ao lado da geladeira.
Isso sem contar que a borracha não vedava mais, dificilmente gelava e escorria água que molhava a cozinha inteira. Eita pobreza, minha Nossa Senhora!
Finalmente papai e mamãe decidiram que a geladeira já dera o que tinha que dar e foram às Casas Bahia para comprar uma novinha em suaves e infindáveis prestações.
Chegou a geladeira novinha em folha, vermelha, grande e bonita. Que luxo!
Éramos tão bestas, já disse e repito: pobre é besta demais!
Éramos tão bestas que gritávamos do quintal para os vizinhos ouvir: "Coloca a água na ge-la-dêeeeeeee-ra!". Era chique ter geladeira, ainda mais uma novinha em folha.
Hoje os eletrodomésticos são modernos e mais bonitos e sonho com aquelas grandes e caras geladeiras de inox. Quem sabe um dia quando meus dias de pobreza decidirem me abandonar. Já tentei deixá-los, mas insistem em ficar comigo.
É isso.

                                   

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Pista

                                           


Morávamos em Gravatá, Pernambuco, e nossa casa ficava próxima à rodovia, mas nós dizíamos pista.
Corríamos para fora para vermos os carros e os ônibus passarem; era um novidade e uma festa para nós.
Quando passavam ônibus na pista, meu Paipreto dizia: "Eita que aquele ôinbus vai é pra Sum Paulo".
Fim de tarde bonito, céu azul, nuvens brancas e fofas como algodão, chão de terra vermelha.
Brincávamos de "Gata pintada, quem foi que te pintou, foi a véia catingueira e por aqui ela passou..."
Ouvimos um estrondo e vamos ver o que é; toda a vizinhança sai de suas casas para saber a causa daquele barulho assustador. Caminhamos até a pista e lá vemos um carro vermelho de passeio com uma moça ao volante e um senhor branco, gorducho e careca no banco do carona. Vidros estilhaçados por todo o carro e pelo corpo e rosto dos passageiros. Sangue também.
Um dos curiosos presentes na cena diz: "Foi um desastre".
Hoje dizemos acidente automobilístico/de trânsito, antes era desastre.
Mãevelha me tira dali e me manda de volta para casa; aquilo não era coisa para criança ver.
Olho de novo para as pessoas dentro do carro, deveriam ser pai e filha.
Alguém diz que estão mortos e que a polícia está a caminho.
A moça está debruçada sobre o volante e o senhor está com o corpo jogado para trás e encostado no banco, ele tem vidro e sangue por todo o rosto e corpo, ele sorri para mim.
Tento dizer às pessoas ali em volta que aquele homem não está morto, ele sorriu para mim, é preciso ajudá-lo.
Mãevelha e as pessoas em volta dizem que criança fala cada coisa!