terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Princesa e o Sapo

                                             


Minha sobrinha Beatriz é terrível, inteligentíssima, linda, "queixo duro, rispi e oreiuda", como dizia papai.
Eu a provoco e a chamo de "seriema fashion, seriema branquela, gata galega e Bibi linda".
Hoje fomos à gráfica para buscar suas apostilas; as aulas começam amanhã.
Voltamos para casa e fomos pintar. Peguei um livro de pinturas do desenho animado A Princesa e o Sapo e provoquei Beatriz: "Bibi, sabia que mudei o tema da minha festa de aniversário? Agora vai ser da Princesa e o Sapo. Você acha que se eu for com um vestido igual ao dela vai ficar legal?".
"Não, né tia Rejane".
"E por que, Bibi?"
"Porque você já é véia para usar esse tipo de vestido. Ele não é para gente adulta e véia que nem você; ele é só para pessoas jovens".
"Então com que roupa você acha que eu devo ir?"
"Com um vestido da Avon".


                                        

Obrigada/ Thank you

                                          


Estou muito feliz com o progresso do meu blog. É muito legal saber que as pessoas leem o que eu escrevo. 
Escrever esse blog foi uma das melhores coisas que eu poderia ter feito. Falo sobre Acromegalia, causos da minha família, meus gatos e até receitas de guloseimas.
Talvez a Acromegalia não seja tão ruim assim; ela me permitiu esse blog e me aproximou de pessoas que lutam a mesma batalha.
Não sou a única e não estou sozinha.
E isso é bom.
Obrigada.


I´m so excited about my blog. It´s so cool to know that people read what I write.
Writing this blog was the best thing I could´ve done. I write about Acromegaly, my family, my cats, and even cooking recipes.
Maybe Acromegaly isn´t that bad; it allowed me to write this blog and to get  closer to people who face the same problem. People who fight the same battle that I do.
I´m not the only one and I´m not alone.
It feels so good.
Thank you.




                                  


                                            

Lundu

                                              


Lundu é uma dança sensual trazida pelos escravos de Angola.
Meu bisavô Francisco era negro, filho de escravos.
Meu bisavô usava a palavra lundu (ou lundum) para descrever um dengo, uma manha, uma birra de criança e até de gente grande também.
Se algum de nós nos recusássemos a comer, a obedecer ou fizéssemos qualquer malcriação, o bisavô nos dava suas broncas da maneira mais doce possível: "Oxe, meu filho. Deixe de lundu, deixe".
Não tínhamos a mesma sorte e moleza com bisavó Gina, Mãevelha e mamãe. O couro comia mesmo!
Lembrei disso hoje ao ver o excesso de lundu de minha gataiada. Não sei se é a mudança de lua, do tempo; não sei. Só sei que estão todos manhosos de mais, com muito lundu mesmo.
E eu os trato com a mesma doçura de meu doce bisavô Francisco.


                                                  


                                               





segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Nomes

                                     


Recebi um e-mail falando sobre um casal que se conhecera por meio de rede social.
Li a mesma matéria no jornal Estadão ( O Estado de São Paulo) e fiquei indignada com o nome que esse casal escolheu para o filho recém nascido. 
A princípio, duvidei do e-mail, mesmo tendo sido enviado por uma pessoa séria, mas depois de ler a matéria no Estadão, não tive mais dúvidas. 
Estadão é um excelente jornal, assim como a Folha de São Paulo. Gosto de ambos.
A história é a seguinte: Casal se conhece por meio de uma rede social, o Facebook, e se casa. A moça espera o primeiro filho, que é menino, e aí é que vem a pérola: o nome da pobre criança. 
O pai se chama Anderson e faz uma combinação de seu nome com o da rede social para dar ao filho. Ele disse que queria homenagear o Facebook.
O nome da criança? Facebookson.
Ainda bem que essa criança nasceu menino, já pensou se fosse menina!
A mãe se chama Janete.
Então a pobre criança se chamaria Facebockete?!


                                            

Tarde

                                            


Hoje fez uma bela tarde.
Aproveitei o dia de sol para lavar roupas e estendê-las no varal. Deveria ter feito isso ontem, mas não quis atrapalhar o soninho de Aurora e Branca.
Depois arrumei gavetas e separei roupas que não uso mais; algumas eu nunca usei.
Lembro da apresentadora (talk show host) americana Oprah Winfrey dizer que, se você não usa uma peça de roupa a mais de um ano, então doe para alguém. Guardar para quê?
Ao arrumar as gavetas não estamos apenas arrumando as gavetas, estamos nos arrumando também; por dentro.
Os gatos me chamaram e mostraram seus potes de ração vazios. Coloquei a comidinha deles e decidi pegar uma cadeira e me sentar no quintal. Mamãe fazia isso.
Sentei-me e admirei a bela tarde, meus gatos espalhados pelo quintal, deitados com suas barrigas cheias e gorduchas. As plantas e flores coloridas contrastando com o branco caiado do muro. Tudo simples.
Gosto assim.
Tomara Deus que hoje eu tenha uma boa noite de sono.
Amém.
                                     

Que noite

                                          


Meu Deus!
Mais uma noite de insônia, de cabeça fervente, de vizinhos conversando de madrugada e bem em frente ao meu portão! De caminhões barulhentos às 4h30 da manhã e isso em ruas cheias de placas mostrando a proibição desses veículos.
Essas placas só serviram para enfeitar os postes porque ninguém as respeita. Já falei sobre isso e até coloquei fotos tiradas por mim, mas...
E...
Mais uma vez a cirurgia para correção de fístula liquórica foi adiada. Essa lenga lenga já dura um ano e eu que me lasco. São dores de cabeça, perda de líquido cefalorraquidiano pelo nariz, cabeça fervente, mal estar, cansaço brutal. Parece que eu enchi uma laje.
Estou muito cansada mesmo e não é só fisicamente.


                                                    


                                         

domingo, 29 de janeiro de 2012

Ladrão que rouba ladrão

                                            


Morávamos em frente à uma distribuidora de frutas, legumes e verduras. Os donos do depósito eram feirantes que carregavam e descarregavam seus barulhentos caminhões dia e noite.
Muitas vezes havia fila de caminhões na rua, cada um esperando sua vez para manobrar e carregar ou descarregar o veículo.
Um desses caminhões está carregado com melancias e um garoto passa por perto, percebe que o motorista está distraído e aproveita a deixa para se apoderar de uma das frutas. Afinal de contas, com tantas melancias, ninguém sentiria falta de uma só.
O garoto pega a melancia e a coloca em cima do muro de nossa casa enquanto aguarda um melhor momento para levá-la consigo sem que o motorista do caminhão perceba.
Mas acontece que havia alguém observando todos os movimentos do garoto, e esse alguém era ninguém menos, ninguém mais que papai.
Papai vê a melancia em cima do muro, olha para os lados para certificar-se que ninguém estava olhando e pega a fruta e a leva para dentro de casa.
Passados alguns minutos ouvimos alguém chamar no portão; era o garoto que perguntava por sua melancia.
Mamãe que até então nada sabia, pergunta a papai se ele sabe de alguma coisa e ele fingindo de bobo, diz: "Oxe. Que melancia?!".
O garoto indignado com a cara de pau de papai, diz: "Que melancia? Aquela que eu deixei em cima do muro e o senhor pegou!".
"Eu?! Oxe. Peguei nada não sinhô. Tu tá é variando das ideia, esse menino".
Mamãe entende tudo e dá uma bronca em papai: "Mas Dedé, tu teve a coragem de roubar a melancia do bichinho?".
Papai bravo por ter sido repreendido por papai na frente do garoto, diz: "Roubei não senhora! A melancia estava em cima do meu muro. E pra começo de conversa, ele roubou primeiro. Oxe!".


                                       


                                     

Quem quer comprar um gato?

                                          
                                    

Renata sempre gostou de doces e papai sempre dava dinheiro a ela para mantê-la abastecida de guloseimas.
Um dia, porém, papai não deixou o dinheiro e foi então que, somando-se a falta de recursos financeiros à necessidade de satisfazer seu doce vício que Renata revelou seu lado empreendedor. Tínhamos três gatos em casa, Michelle (leia-se Miquele), Andretti e Johnny.
Nesse mesmo dia chega à nossa casa o motorista de táxi conhecido nosso que viera buscar mamãe e Mãevelha para levá-las ao médico.
Renata já havia tentado conseguir o dinheiro, mas ninguém tinha. Ela viu no motorista de táxi mais uma oportunidade e tenta: "Você tem dinheiro?"
"E pra quê você quer dinheiro?"
"Pra comprar doce".
"Não, não tenho dinheiro".
Renata não se dá por vencida e tenta mais uma vez. Ela segura Johnny nos braços e fala para o taxista: "Você não quer comprar esse gato? É baratinho".
O gato não foi vendido, mas Renata conseguiu dinheiro para seus doces.


                                                    

Peixinho Suicida

                                       


Sábado, dia de feira.
Encontra-se de tudo, ou quase tudo. 
Frutas, legumes, verduras, pastel, caldo de cana e vendedores com suas mais variadas mercadorias.
Numa dessas idas à feira encontro um vendedor de peixes. Comprei dois peixinhos, um dourado e um preto com olhos esbugalhados.
Renata estava comigo e ficou encantada com os peixinhos. Voltamos para casa e providenciamos um aquário.
Tudo ia bem, apesar do assédio felino em torno do aquário.
Notamos que o peixe preto de olhos esbugalhados sempre pulava para fora da água e muitas vezes o pegamos e o colocamos de volta antes de os gatos tê-lo para almoço.
Mas a sorte desse aquático animal durou pouco; um dia ele pulou para fora do aquário e não havia ninguém por perto para salvar-lhe a vida.
Renata chega da escola e encontra o pequeno corpo já sem vida do pobre peixinho suicida. A comoção foi enorme; Renata chorou e lamentou muito a terrível perda.
Ela pegou o peixinho pela cauda e foi até o portão de casa para me esperar voltar do trabalho e me contar o triste acontecimento. Mas ainda era cedo e eu só chegaria de noite. Mamãe explicou para ela que eu demoraria um pouco a chegar, então Renata decidiu providenciar e cuidar ela mesma do funeral do peixinho.
Ela fez uma pequena cova no jardim, pegou alguns jasmins bem fresquinhos e cheirosos, arrancou uma página de um Evangelho e colocou tudo sobre o túmulo do peixe.
Quando cheguei em casa a encontrei com os olhos inchados de tanto chorar; perguntei o que aconteceu e ela me contou o fato emocionada.
Sentiu-se culpada por não estar presente para salvar o peixinho na hora do pulo fatal.
Mas tudo ficou bem depois de explicar-lhe que o peixinho iria para o céu, pois mesmo sendo suicida, ele era também muito religioso. Fato esse comprovado pela presença de uma página do Evangelho no túmulo do peixinho.
O peixinho descansaria em paz.
Amém.
O peixinho suicida era igual a esse da foto
                                            


                                      

Alma

                                            


Houve uma época de muitos forrós em nossa casa. Começava na sexta-feira e só terminava no domingo; se tivesse feriado prolongado, então.
Essas festas varavam noite adentro ao ritmo de muito forró, estilo musical tipicamente nordestino.
O rala bucho estendia-se animadamente e ninguém parecia se cansar. Se pedíssemos para desligar o som, ouvíamos: "Oxe. Mas tá bom demais. Deixe só mais um bocadinho".
Fubá queria dormir e cansou de esperar; deitou-se no sofá e adormeceu mesmo com todo o barulho.
Em um determinado momento, um odor insuportável invade o ambiente, a música para e as pessoas param de dançar e começam a olhar para os próprios sapatos. Pensam que pisaram em alguma coisa podre.
Um vizinho percebe que o forte cheiro vem do sofá, mais exatamente da bundinha de Fubá. 
Ouvimos vários comentários: "Vixe Nossa Senhora, o que foi que esse menino comeu?!"
O vizinho espera sua vez e diz para papai: "Tio, pode cuidar da alma que o corpo tá podre".
Fubá não gostou muito de ouvir isso.


                                             

Domingo

Recife, a Veneza Brasileira
                                              


Nunca gostei dos dias de domingo.
Não sei dizer exatamente porquê. 
Relaciono o dia de domingo à tristeza, solidão, volta à rotina, sei lá.
Mas até que fez um dia bonito hoje; a chuva parou e o sol apareceu.
Li, coloquei roupas na máquina e dei uma geral na casa. Não consegui estender as roupas porque Aurora e Branca decidiram tirar um soneca em cima da máquina de lavar e eu não quis tirá-las de lá e nem atrapalhar o soninho delas.
Se mamãe estivesse aqui, diria: "Não sei quem é mais sem vergonha, você ou esses gatos".
Arrumei minhas plantinhas também; estão lindas e resistem bravamente aos ataques da gataiada.
Ouvi músicas dos aparelhos de som dos vizinhos. Ouvi pérolas que fazem sucesso fácil e depois alguém teve a feliz ideia de ligar na rádio que toca MPB (música popular brasileira), graças a Deus.
Ouvi músicas que nem me lembrava mais, mas que gosto muito e que estiveram presentes em alguns momentos da vida.
Engraçado, eu achava que era coisa de novela, mas a música marca sim um momento, uma situação, um acontecimento em nossas vidas.
Ouvi Chão de Giz de Zé Ramalho e me lembrei do passeio de catamarã que fiz em Recife. Na verdade, ouvi a música na voz de Elba Ramalho enquanto a embarcação deslizava pelas águas dos rios Beberibe e Capibaribe em Recife, Pernambuco.
Ouvi Vem ficar comigo de Elba Ramalho que também trouxe lembranças, memórias e recordações.
Legal.
Hoje os vizinhos capricharam. Claro, que primeiro ouviram as porquêras deles e depois mudaram para algo melhor. Acho que foi reflexo de ontem; explico. Não tenho aparelho de som, mas tenho canais de música e liguei em um deles para ver se o distinto vizinho se tocava e abaixava o som dele. Estava alto demais, Nossa Senhora! E isso incomoda a qualquer um, ainda mais para quem já está com dor de cabeça.
Coloquei em um canal que toca Rock/Heavy Metal e aumentei o som. 
Bingo!
A música deles parou e desliguei a minha.
Nada como o precioso som do silêncio.

                                                

sábado, 28 de janeiro de 2012

Ônibus

                                       


A seca mais uma vez assolava o Nordeste.
Saímos da Fazenda Taquari e nos mudamos para Gravatá, que ficava mais perto de Recife e da ajuda de tio José.
Mamãe escreve para seu irmão Manoel, que morava em São Paulo, e ele sugere que nos mudemos para lá também.
Não dava para todos nós irmos, então foi decidido que papai iria na frente e depois que estivesse trabalhando mandaria o dinheiro de nossas passagens.
Além do mais, Paipreto estava velhinho e doente e não aguentaria a longa viagem de três dias.
Papai compra a passagem, arruma a mala muito simples e feita de papelão grosso e nela coloca algumas poucas peças de roupas eu um par de alpercatas (sandálias de couro).
Mamãe prepara uma sacolinha com comida para papai comer durante a longa viagem.
Em uma lata de leite vazia, mamãe coloca farinha de mandioca e uns pedaços de galinha frita. Era tudo o que tinha.
Papai parte. Choramos.
Papai vai em busca de dias melhores para a família.
Mamãe lança seu poderoso olhar aos céus e pede a Deus que acompanhe papai na viagem.
O ônibus segue viagem e entra no estado da Bahia; é noite e chove muito.
Estradas escorregadias; o ônibus derrapa, capota e cai numa ribanceira.
Papai dormia e acorda com barulho e o movimento do ônibus capotando.
A lata com farinha e galinha frita estava no compartimento superior de bagagens e cai na cabeça de papai, que sangra.
Papai fica atordoado, não sabe o que fazer  e tenta entender aquela comoção toda: gente chorando, gritando, luzes e sirenes de ambulâncias, carros da polícia e bombeiros.
Todos os passageiros são atendidos e aqueles que não se machucaram gravemente seguem viagem em outro ônibus.
Papai chega a São Paulo são e salvo.
Deus tinha ouvido o pedido de mamãe.


                                                        

A Favorita

Aurora
Aurora pedindo colo, carinho e atenção
                                           


Aurora é minha gata favorita.
Aurora é inteligentíssima e sabe quando fez arte e que fez arte.
Aurora chegou aqui primeiro e depois dela chegaram mais cinco felinos lindos.
Aurora está enciumada, dengosa, manhosa, charmosa e carente.
Ela reage agressivamente à chegada de novos gatos, mas tempos depois ela começa a aceitá-los e até brinca com eles. Mas a gota d'água foi a chegada dos pequenos Léo Caramelo e Morena Rosa. Estão há pouco mais de um mês e estão bem espertinhos.
Os pequenos já conseguem subir na cama e deitam-se ao meu lado. Léo Caramelo deita-se sobre meu cabelo e faz massagem; o difícil é dormir com o ronronar dele.
Aurora não gostou muito dos progressos físicos, sociais e territoriais dos pequenos concorrentes e sente-se ameaçada em seu território que até a pouco tempo era exclusivo dela.
Aurora olha ameaçadoramente para os gatinhos e se eles tentam se aproximar, ela desce a mão (a pata ) literalmente.
É isso.
Por mais que as pessoas digam amar igualmente seus filhos ou outras pessoas de seus relacionamentos, sempre tem aquela mais querida. A favorita.
O difícil é admitir.


Morena Rosa e Léo Caramelo
                                        

Arroz

                                                    


Valéria e a família moravam no cafofo mencionado em postagem anterior.
Ela e sua família eram meio folgadinhos, para ser educada.
Eles desciam as escadas do cafofo e entravam em nossa casa sem pedir licença. Entravam e pegavam o que queriam; como se fossem donos do pedaço. 
Era leite, pão, café, almoço, janta...
Fubá e Renata, meus irmãos caçulas, viviam se estranhando mas se uniam feito carne e unha quando se tratava de perseguir e atormentar os moradores do cafofo, principalmente Valéria.
Fubá está almoçando e Valéria entra na cozinha sem pedir licença e sem falar nada. Ela vai até o fogão, destampa as panelas e olha o que tem. Tampa de volta, pega a panela com arroz e sai. 
Fubá observa tudo calado e espera o momento certo para atacar. Ele puxa Valéria pelo braço e diz: "Onde você pensa que vai com essa panela de arroz?"
"Oxe. Eu vou é cumê. Me solte!".
"Me dá aqui essa panela, sua folgada. Na sua casa não tem comida não?!".
Foi uma cena engraçada. Fubá segurava a panela por uma alça e Valéria pela outra; parecia um cabo de guerra.
Fubá tomou a panela da prima que voltou para casa chorando.
Passadas algumas horas, mamãe volta para casa e chama Fubá para falar sobre o ocorrido e dá broncas nele. "Onde já se viu negar comida ao próximo?!"
"Que próximo o que, mãe?! Essa desdentada é muito da folgada! Por que ela não faz comida? Toda hora vem aqui em casa pegar alguma coisa. E nem pede, só é chegar e pegar. Folga da p... meu!".
Esclarecidos os fatos, mamãe pergunta a Fubá onde ele colocou a panela com arroz, mas ele se nega a revelar o esconderijo secreto do utensílio doméstico.
Alguns dias depois começamos a sentir um cheiro de coisa estragada e reviramos a casa mas não encontramos nada. Fubá decide então revelar o segredo: a panela com arroz estava na parte de baixo do fogão e olhamos no forno mas não na parte de baixo.
Fubá retira a panela fedendo com o arroz todo estragado.
Mamãe fala: "Menino danado! Tu preferisse esconder o arroz e deixar estragar e não deixasse a bichinha comer?!"
"Bichinha nada. Ela é muito da folgada e a senhora é trouxa demais".
"Menino!".


                                                

Raiva

                                              


Parece piada, mas é verdade.
Nossa prima Valéria, a da "criatura de Jésuis", era meio atrapalhada e fraca das ideias.
Ela já morava com a família em outro local e havia muitos cachorros na sua nova vizinhança.
Um dos cachorros estava com raiva (Hidrofobia) e morde Valéria. A correria foi geral e ela é levada ao hospital mais próximo para os primeiros cuidados.
Valéria recuperou-se bem e sem sequelas.
E o cachorro?
O cachorro morreu!
Fubá, claro, não topava a prima e fazia piadinhas para provocá-la: "Tá vendo? Você não foi vacinada e aí o cachorro te mordeu e morreu. Coitado!".


                                         

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Almoço em família

                                               


Eu tinha 18 anos e adorava aquelas revistas tolinhas que falavam sobre simpatias, horóscopo e amizades.
Havia uma seção na revista que trazia nomes e endereços de pessoas que queriam fazer novas amizades. Não havia Internet nem redes sociais naquela época e o romântico hábito de escrever cartas ainda estava em voga.
Pensei em participar desse movimento literário e mandei carta para revista e confesso que duvidei muito que alguém me escreveria. Me enganei.
Recebi várias cartas e entre elas a de um rapaz (nem tão rapaz assim, veremos a seguir) de família, honesto, trabalhador e cumpridor de seus deveres, como mamãe adorava dizer.
Trocamos correspondências e o rapaz sugere que nos conheçamos pessoalmente. Vixe!
Mas papai e mamãe nunca me deixariam sair sozinha para encontrar um estranho; de jeito maneira, jeito qualidade!
Escrevi ao simpático rapaz e contei a situação e ele sugeriu que fossemos todos jantar no restaurante onde ele trabalhava como maitre (lê-se "métre"). 
Saí com ele algumas vezes e íamos sempre almoçar e depois ao cinema. E minha irmã Rosi ia comigo para manter minha segurança física e garantir que nada de mais acontecesse.
Como eu disse, eu tinha dezoito anos e ele disse que tinha trinta e dois. Só se fosse trinta e dois anos que chegou em São Paulo!. Ele deveria ser um quarentão.
Bem...
Fomos a nobre e distinta família jantar no restaurante do nem tão jovem e distinto rapaz.
Fomos bem tratados e para retribuir a gentileza mamãe o convida para almoçar em nossa casa. Ele era nordestino também e apreciava comida nordestina.
Mamãe organiza tudo e nos pede: "Olhem, pelo amor de Deus se comportem bem e finjam que são civilizados. Não me matem-me de vergonha!".
"Tá booooooooom, mãe".
E papai, claro, também deu seu sermãozinho básico: "Olhe, e deem um jeito nesses gatos sem educação de vocês. Não deixem esse gatos pular nas coisas e no rapaz. Não me matem-me de vergonha".
"Tá booooooooom, pai".
Chega o grande dia e estamos todos tomados banhos e vestidos com nossas melhores roupas. E sobrou até para Mãevelha, que deixou sua cama e veio até a sala para recepcionar o rapaz.
Como ele não conhecia bem o nosso bairro, mamãe pede a um motorista de táxi conhecido nosso que busque meu pretendente. Rogério e Naldão foram junto.
Dali a pouco eles chegam e mamãe vai ao portão para recepcioná-lo. Naldão e Rogério descem rapidamente do carro, correm ao meu encontro e educadamente dizem: "Oxe, cara feio da p...! O cara tem orelha de Spock e é véio. Você não vai casar com ele não, né?".
Eu fingi que falava amenidades com meus adoráveis irmãos e sorri para o nem tão jovem mancebo que vinha todo alegre e sorridente em minha direção.
Entramos e nos acomodamos; o almoço já seria servido.
Tinha muita fartura de comida e vários tipos de carne. 
Pra falar a verdade, éramos meio boçais e não gostávamos de usar garfo e faca para cortar a carne, a segurávamos com as duas mãos e cortávamos com os próprios dentes. 
Mas hoje já conseguimos usar talheres. A quem interessar possa.
Bom...
Mãevelha não sabia usar garfo e faca e comia com colher. Mamãe faz o prato de nossa avó e pergunta se ela quer que corte a carne em pedaços pequenos, mas Mãevelha diz que não carece não. 
Mãevelha começa a comer e segura o bife com as duas mãos e dá uma mordida, mas ela fez de um jeito que a carne escapou de suas mãos e voou longe. Os gatos estavam perto dela e correram como quem aposta corrida para ver quem chega primeiro; parecia vídeo cassetada do Faustão. 
Que vergonha!
Mamãe disfarçou, sorriu amarelo e ofereceu mais comida ao rapaz. 
Papai, milagrosamente e num esforço sobre humano, segurou seu sermão.
Termina o almoço em família, graças a Deus. O rapaz agradece pela calorosa recepção e troca palavras gentis e educadas com papai e mamãe que o convidam para mais visitas à nossa nobre e distinta família em nossa humilde residência.
A rasgação de seda termina e meu pretendente volta para casa. Ufa!
E papai começa seu sermão. Reclama de Mãevelha que deixou a carne "voar", dos gatos que "voaram" atrás da carne, disso, daquilo...
E para quem estiver curioso; não, não me casei com o simpático rapaz nem com ninguém.
Mas continuo gostando de gatos.


                                                  



Cinto & Sinto

                                           


Cinto; substantivo. Peça usada para segurar calças, saias, bermudas.
Sinto; verbo. Por exemplo: "Sinto muito".
Fubá iria descobrir que há mais diferenças entre as duas palavras homófonas (pronúncia igual).
Tio Amaro, irmão de mamãe, estava passando uma temporada conosco. O tio era velhinho, magro, alto e sossegado.
Fubá e tio Amaro estão na sala assistindo TV; ambos estão sentados lado a lado.
O tio segura um cinto e brinca de dar cintadas em suas próprias mãos e nos pobres gatos que passavam por perto.
Fubá observa e fala: "Não dói não bater na sua mão, tio?".
"Dói não".
"É, eu sei que não. Quer ver? Pode bater em mim que nem vai doer!".
"Olhe! Depois tu vai chorar, visse?"
"Dói não, tio. Pode bater de verdade"
Fubá pensou que tio Amaro iria só brincar e bater de levinho, mas se enganou. O tio deu-lhe um boa cintada nas costas e só ouvimos o estalo, o grito e o choro de Fubá.
Mamãe vem até a sala e fica sabendo do ocorrido. Nós rimos muito, para raiva de Fubá.
Mamãe diz: "Mas meu filho, e tu fosse acreditar na conversa de seu tio? Não vê que ele está caduco e fala coisa com coisa?".
Fubá ficara com uma longa marca vermelha nas costas e evita ficar perto do tio.
Nós provocamos e dizemos: "Vai lá, Fubá. O tio está com o sinto na mão. Senta perto dele".
Recuso-me a escrever aqui a resposta que Fubá nos deu. Esse é um blog de família.


                                            

Criatura de Jesus

                                           


Como já foi dito, o drama e o exagero fazem parte de nossa família.
Morávamos em uma casa grande e na parte de cima do quintal dos fundos foi construído um pequeno cafofo para abrigar um irmão de mamãe que não tinha condições de pagar aluguel.
A gente só sifu (acredito ser desnecessária qualquer explicação ou tradução).
Bom...
Tio Nelson, o irmão de mamãe, trouxe consigo a esposa, filhos, genro e netas. E esse povo todinho foi enfiado naquele cafofo!
Valéria, a filha caçula do tio, cuidava das sobrinhas, filhas de sua irmã Cida.
Uma das meninas começa a dar os primeiros passos e tenta descer as escadas. Valéria estava em nossa casa assistindo TV e segura de que a sobrinha estava dormindo. Mas não estava.
Ouvimos um grito e depois um choro e corremos para ver o que era. Encontramos Chiquinho, outro sobrinho de Valéria, com a menina nos braços a chorar e um fio de sangue a correr na testa.
Não sabíamos quem estava mais assustado; Chiquinho, a menina ou Valéria, que entrou em pânico ao ver a sobrinha chorando e com o corte sangrando.
Chiquinho estava assustado e preocupado, pois tinha medo que o acusassem pelo incidente.
Valéria ao ver os sobrinhos naquela situação desesperadora leva as mãos à cabeça e num ato exageradamente dramático, típico da família, exclama: "Pelo amor de Cristo, Chiquinho! O que foi que tu fizesse com essa criatura de Jésuis?!"
Chiquinho quis explicar e provar sua inocência; ele apenas socorreu a pequena que havia descido sozinha as escadas. Ele não fizera nada de errado.
Nós pegamos a menina, limpamos o corte e fizemos um curativo. Não foi nada demais.
Mas não para Valéria que continuava a atuar em seu dramalhão exagerado.
Pixilinha, um amigo nosso de infância, achava tudo muito engraçado e começa a imitar Valéria usando o carregado sotaque de nossa dramática prima: "Mas Chiquinho, por que tu fosse bulir com essa criatura de Jésuis?".
A menia ficou bem, mas Valéria nem tanto.


                                             

As sacolinhas e as bolachas de Mãevelha

                                           


Minha avó Mãevelha sentava-se em sua cama cercada de lãs, agulhas de crochê, de costura e de muitas sacolinhas plásticas cheias de bugigangas, botões, remédios e bolachas.
As sacolinhas com bolachas eram cuidadosamente surrupiadas por nós quando Mãevelha dormia. O problema era que nossa avó tinha o sono muito leve e nos dava um trabalhão danado praticar o doce furto.
Procurávamos fazer o mínimo de barulho, mas o som das sacolinhas plásticas sendo mexidas acordava Mãevelha e dizíamos para ela que estávamos só tirando os gatos de sua cama que era para ela dormir melhor.
Ela dizia: "Sim, tô sabendo".
Mãevelha sentava-se na cama com um leve cobertor em suas pernas, pegava suas linhas e agulhas para fazer crochê e os gatos corriam a brincar com o novelo. Ela ficava brava com os gatos e dizia: "Vem cá menino. Vem pegar minha linha, vem. Mas será Deus impussivi? Esses gatos não estão vendo que eu estou usando a linha? Mas que gatos mais ateimoso!"
Papai ria com as reclamações de Mãevelha e dizia: "Mas Bastião, tu quer que os gatos tenham saber?"
Papai chamava Mãevelha de Bastião. Não sei explicar o porquê; são coisas da minha família maluquetes.
Passado algum tempo, os gatos e Mãevelha faziam as pazes e todos dormiam cercados por linhas, lãs e as sacolinhas plásticas. 
Tinha de tudo nessas sacolinhas; de botão e agulhas a remédios, de fotografias a bolachas. E bolacha era o que mais nos interessava.
Muitas vezes, após o jantar, batia aquela vontade de tomar um chazinho com bolacha, mas nós não queríamos as bolachas que estavam guardadas nas latas de mantimentos em cima do armário da cozinha; queríamos as bolachas que estavam nas sacolinhas de Mãevelha. Eram muito mais gostosas!
Esperávamos Mãevelha adormecer para atacar suas sacolas. O chá já estava pronto.
Arquitetávamos cuidadosamente nosso plano de ataque: Rogério e eu vigiávamos o sono de Mãevelha e quando ela finalmente adormecia, Rose e Naldão entravam em ação. Eles sabiam onde procurar.
Quando ela percebia o movimento e resmungava alguma coisa, dizíamos: "É o gato, Mãevelha. Sai daí, gato danado!".
Mamãe nos dava bronca e dizia para pegar as bolachas da lata de mantimentos e não as de nossa avó.
Mas as bolachas de Mãevelha eram mais gostosas.


                                           

Penha & Vila Maria

Avenida Guilherme Cotching. Vila Maria
                                             


Penha e Vila Maria são bairros próximos ao nosso.
Tatuapé também, mas sempre encontrávamos e fazíamos tudo o que precisávamos na Penha e Vila Maria. Correios, bancos, lojas, cinemas...
Preferíamos a Penha pelo fato de o ônibus para lá ser menos "demorante" do que o ônibus para a Vila Maria.
Minha sobrinha Beatriz fala "demorante" para dizer demorado.
As cartas que mamãe ou eu escrevíamos eram levadas aos Correios e postadas por mim. Não havia agência dos Correios no meu bairro naquela época.
Geralmente eu fazia vários serviços para os nordestinos que conhecíamos. Eu ia ao Banco do Brasil para mandar dinheiro para as famílias deles em Pernambuco, ia aos Correios para mandar cartas e pacotes para as famílias deles, ia às lojas para pagar carnês de prestações deles. Eu era faz tudo, pau pra toda obra e ainda ia à escola, cuidava da casa, dos irmãos e arrumava tempo para lavar roupa pra fora (no bom sentido).
Eu fazia esses serviços para os rapazes e eles sempre me davam o dinheiro da condução e um trocado para eu comprar alguma coisa. Eu gostava de ir ao cinema São Geraldo na Avenida Penha de França ou então no outro cinema que ficava perto da Rua Santo Afonso, também no mesmo bairro. Hoje esses cinemas não existem mais, pois agora temos o Shopping Penha, o Shopping favorito de Beatriz.
Eu deixava tudo pronto em casa e avisava meus irmãos para não irem para a rua. Só poderiam ir até o portão para ver se mamãe estava chegando. Os deixava alimentados e com a TV ligada para assistir desenhos animados.
Eu seguia um ritual para dar tempo de fazer tudo, assistir a um filme e ainda chegar em casa antes de mamãe.
Eu ia ao Banco do Brasil, depois aos Correios, lojas e por fim e se sobrasse dinheiro suficiente, ia ao cinema.
Caminhava até o ponto final do ônibus que ficava, ainda fica, ao lado do Mercadão da Penha e muitas vezes deixava para ir no próximo ônibus só para entrar no Mercadão e passear pelos corredores e apreciar as bancas de frutas, flores e animais.
Já deixei de ir ao cinema para usar o dinheiro para comprar porquinhos da Índia, peixinhos e passarinhos.
Mamãe ficava doida comigo e dizia: "Mas tu não tem juízo mesmo. Em vez de comprar alguma coisa pra tu, vai comprar bicho. Tu não tem jeito não".