quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Cabelos, Cheiros, Beijos & Mariana

                                     


Gostava de sentir o cheiro dos cabelos de Mãevelha e de mamãe.
Era um cheiro forte, poderoso e marcante; assim como as mulheres mais importantes da minha vida: minha bisavó, minha avó e minha mãe e minha tia Nifa.
Hoje não sinto cheiro, mas posso beijar os dourados e lindos cabelos de Beatriz.
Os cabelos castanhos de Maria Julia.
Os cabelos lisinhos de Vinicius, aquele que não é "de Moraes".
Os cabelos dourados e cacheados de Bruno.
Os cabelos de Rafaela, arrepiados e que crescem para cima, como os de papai, de mamãe e de seu pai Fubá.
A cada beijo que dou nesses cabelos lindos e de todas as cores e texturas, peço a Deus que ilumine, proteja e guie por caminhos de luz esses meus sobrinhos e sobrinhas tão lindos, tão terríveis e tão amados.
Já me falaram que eu seria uma ótima mãe e francamente não sei se isso para mim é um elogio ou a lembrança doce-amarga de que não terei a minha tão querida Mariana.
Às vezes sonho com Mariana. Como ela seria, como se pareceria.
Ora a imaginava com cabelos loirinhos e cacheados iguais ao de Beatriz.
Ora a imaginava com cabelos pretos e lisos iguais aos de Vinicius.
Mas os olhos de Mariana seriam claros; verdes ou azuis, iguais ao de Beatriz, de papai, de avô José, de meu Paipreto e de meus irmãos Naldão e Rogério.
Mariana seria inteligente e bela igual a minha irmã Rosi.
Mariana teria talento artístico igual a minha "perigosa" irmã Renata.
Mariana adoraria livros, bichos, plantas, Zé Ramalho, Lobão, Marcelo Tas, Nietzsche, Fernando Pessoa, Lima Barreto, Erico Veríssimo, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marquez e tantas outras mentes brilhantes que fizeram e fazem parte desse mundo.
Quando fico triste ou chateada, ou os dois, penso em Mariana e sua "presença" me acalanta, me alivia e me conforta.
Mariana deve existir em algum lugar e acho que ela preferiu ficar nesse lugar para poder cuidar melhor de mim.
Eu, aqui nesse lugar e com essa doença talvez não pudesse cuidar bem de Mariana.
Acho que foi melhor assim.
Como mamãe dizia: "Deus sabe o que faz e a gente não sabe o que diz".
"Não cai uma folha de mato sem que Deus não queira".
Dias Melhores Virão.

                                    



Árvore de Natal

                                                                          


Beatriz e a mãe montam e enfeitam e árvore de Natal.
Entre bolinhas coloridas, anjinhos e outros enfeites natalinos, Beatriz percebe que está faltando aquelas lampadinhas ou luzes de Natal para enfeitar e iluminar a árvore.
A mãe diz que irá comprar as luzinhas e Beatriz corrige: "Não, mãe. Não é luzinha de Natal, é luz iluminada".
Feliz Natal a todos e que nossas vidas sejam de luzes iluminadas.


                                           

Maldita Acromegalia

                                         


As últimas semanas têm sido difíceis para mim; muitas dores, muito vai vem para consultórios, laboratórios e farmácias.
Ela, a Acromegalia, bem que poderia se resumir a apenas um tumorzinho básico ha hipófise (base do cérebro), mas não, ela tem que fazer estragos. Muitos estragos.
Estragos físicos que causam dores físicas e emocionais. Acho que esta última dói mais.
E para ajudar ao preconceito e à ignorância das pessoas, vivemos na sociedade da beleza adquirida a todo custo.
Imagina para uma pessoa que nunca foi bonita fisicamente, de repente se encontra vítima de uma doença que a deixa menos bonita ainda. Ferrou!
Se fosse em outros tempos, no tempo do "Freak Show" (Circo dos Horrores), acromegálicos seriam exibidos como criaturas deformadas e/ou estranhas. Já li sobre casos de pessoas expostas nesses circos; pessoas pequenas demais, grandes demais, com pés ou mãos ou o corpo deformados, pessoas com o rosto coberto de cabelos, enfim, uma infinidade de doenças não descobertas e não tratadas que transformavam essas pessoas em "monstros" e vítimas de preconceito, intolerância e até ódio por parte das pessoas "perfeitas". Mas quem é o monstro da história? O doente vítima de uma doença estranha ou o saudável que visava lucro financeiro explorando essas pobres vítimas?
Realmente, o ser humano é o pior animal de todas as espécies. Criatura mesquinha, tacanha, má, cruel. Nem todos, é claro. Mas tem muita gente ruim, fútil, frívola e vazia que me faz cada vez mais me apegar aos meus gatos.
Sei de caso de acromegálicos que evitam sair de casa com medo dos olhares preconceituosos e eu sei bem o que é isso. Já fiquei dias pensando e me sentindo assim, mas decidi não dar razão à essa gente pobre de espírito. 
Se elas podem sair às ruas, eu também posso.
Se elas têm contas à pagar, eu também tenho.
Se elas precisam ir ao supermercado, eu também preciso.
Acromegálicos trabalham, comem, dormem, se cansam, sonham, se entristecem e fazem e sente tudo o que um não acromegálico faz e sente. Então, qual é a diferença aqui?!
Só porque temos um rosto grande demais, pés grandes demais e mãos grandes demais?!
Talvez nossa grandeza física seja maior que a pequenez de caráter de vocês perfeitos.
Como eu disse acima, vivemos na sociedade da beleza; todo mundo tem que ser, ficar ou estar bonito, custe o que custar. Vejo absurdos como o de pessoas viajando a países vizinhos para se submeterem à cirurgias plásticas com médicos suspeitos.
Pessoas deformando o rosto com aplicações de substâncias que as deixam sem expressão, como se o rosto estivesse congelado. Pra que isso, meu Deus do céu? Fazem isso para agradar a quem?!
Concordo que devemos andar limpinhos, ajeitadinhos e até bonitinhos, mas sem exageros.
Há uma proliferação de gente magérrima e aloirada, como se estivéssemos em um país nórdico. Brasil, país tropical. Abençoado por Deus e bonito por natureza...
Vejo pessoas cuja cor da pele não combina com o loiro Xuxa dos cabelos, mas lá vão elas desfilando suas madeixas alouradas que as faz parecer com micos leões dourados. Perdão pela comparação, mas não dá!
Outra coisa que me incomoda também é o oposto da busca frenética por beleza: gente se destruindo, se matando aos poucos num suicídio sem noção.
Pessoas comendo por duas, por três; como se não houvesse amanhã.
Crianças obesas e já diabéticas e hipertensas. 
Doenças da modernidade? Sim, talvez. Mas não culpemos os tempos modernos pela nossa incapacidade de controlar nossa gula.
Sei que tem gente com problemas emocionais e hormonais e respeito isso, mas vejo muita criança que não come se não tiver ketchup, mostarda e refrigerante na mesa. Essas crianças não gostam de frutas e verduras que nunca experimentaram, mas só de ouvir falar o nome já dizem que não gostam. Já disse, as crianças aprendem com os adultos.
Sei lá...
Acho que estou meio estressada hoje. As dores não me deixam dormir em paz e não me permitem fazer coisas simples que antes eu fazia: abaixar, levantar, subir em escadas, correr, andar rápido, fazer minhas caminhadas pelo bairro.
A Acromegalia roubou isso de mim e aos poucos rouba mais.
Hipertensão, diabetes, dores de cabeça, artrose, dores nas costas, estômago complicado, coração grande - literalmente - , alguma tristeza, alguma revolta e muitos "porquês".
Sim, sei que têm doenças piores, pessoas em piores situações, mas sou humana e tenho direito de falar, reclamar e questionar aquilo que me faz mal, que me tira o gosto de viver, o gosto de fazer as coisas que antes eu gostava tanto. 
Os olhares estão cada vez mais agressivos e mais demorados. Os cochichos e as risadinhas me incomodam. 
Todo santo dia a mesma ladainha.
Hoje fui ao supermercado para comprar frutas, verduras e legumes que gosto tanto e as pessoas me olhavam como se eu fosse um ser de outro planeta. Olham e quando olho de volta elas disfarçam, fingem que estão escolhendo alguma coisa. Outras piscam para seus/suas acompanhantes e olham em minha direção.
Será que essas pessoas nunca ficaram doentes?
Será que essas pessoas não têm problemas?
Todo mundo vai morrer um dia e vai virar comida de minhoca. Os vermes devorarão a carne podre de ricos e pobres, feios e bonitos, palmeirenses e corinthianos.
Amanhã vou buscar meu remédio (Sandostatin LAR/Acetato de Octreotide) na Farmácia Alto Custo e depois irei ao ortopedista para iniciar o tratamento da artrose no meu joelho direito. Serão três injeções aplicadas diretamente no joelho. Parece estranho, né? Mas para quem já teve agulhas enfiadas na veia, no braço, na barriga, na coxa, na parte de trás do braço e na nuca, mais umazinha no joelho não é nada demais. 
Acho que é por isso que eu tenho medo de fazer Acupuntura. É muita agulha.


                                               











terça-feira, 29 de novembro de 2011

Selva de Pedra

                                        


Foi uma novela originalmente transmitida em 1975 e depois voltou em nova versão em 1986.
Em 1975 eu tinha 8 anos e achava estranho o nome da novela. Por que Selva de Pedra? 
Eu imaginava uma floresta de árvores e animais de pedra.
Assistia a novela mas não via pedra nenhuma, muitos menos árvores e animais petrificados.
Com o tempo aprendi que a "Selva de Pedra" se refere ao grande números de prédios altos que invadiam a cidade e às pessoas que se tornavam frias, solitárias e distantes com corações frios de pedra.
Isso foi há pouco mais de três décadas e hoje vejo, sinto e percebo cada vez mais nitidamente a Selva de Pedra que se tornou São Paulo e outras grandes capitais e a Selva de Pedra que as pessoas estão erigindo em torno de si mesmas; tanto fisicamente quanto emocionalmente.
Acho que é o preço da modernidade.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Inglês

Codorna (quail)
                                      
Passeava de carro com minha irmã Renata, meu irmão Fubá e minha cunhada Preta.
Íamos comprar os doces que papai vendia na sua barraquinha.
Paramos no farol e Preta lê uma placa: "Hurry up".
Ela pergunta: "
O que significa isso, tia Rejane?"
"Se avexe, menino".
Viajava para o litoral com minhas irmãs Rosi, Renata e meu cunhado Pepê.
Vimos uma codorna e Rosi pergunta como se fala o nome da ave em inglês e eu digo "quail".
"Co- ê- i-o", repete Rosi.

Entupir

                                    


Mamãe ficava brava conosco às vezes. Na verdade, muitas vezes.
Mamãe falava e falava e quando nós tentávamos argumentar, ela dizia:
"Entupa-se!".
Quer dizer: "Cale-se".
Nós ríamos e ficávamos imaginando como uma pessoa poderia "se entupir".
Mais umas do variadíssimo vocabulário de mamãe.

Chuva

                                                                                   
Têm dias que meus gatos estão terríveis e hoje foi um desses dias.
Cavaram a terra das plantas.
Arrancaram as plantas dos vasos.
Espalharam a terra dos vasos.
Olham para cima e para mim quando veem passarinhos empoleirados no telhado e querem porque querem que eu pegue os passarinhos para eles. Eu não posso voar e nem que pudesse eu faria uma maldade desses com pobres penosos.
Correm pra lá e pra cá, derrubam o que estiver no caminho, são manhosos, mimados e mal acostumados.
Quando os gatos tinham esse "ataque de loucura", minha avó Mãevelha dizia que eles estavam adivinhando chuva.
E não é que choveu mesmo?!

Blog da Criança: Marcianos

                                        


Marte é o planeta vermelho. Mas por que os marcianos são verdes?
Seriam os marcianos torcedores do Palmeiras?
E o Campo de Marte? É onde os marcianos estacionam suas naves espaciais?


                                         



Desabafo de uma Acromegálica


                                  




Fui ao ortopedista levar exames  e foi confirmada a artrose em meu joelho direito.
Comprei o remédio pedido por ele e nesta semana será aplicado diretamente no meu joelho.
Sou relativamente jovem para esse tipo de problema, mas a Acromegalia não escolhe idade.
Tenho tido muitas dores que se espalham pelo corpo e isso vem ocorrendo já há um mês. 
É dor no pé com inflamação no osso com nome de político (tarso), é dor devido a inflamação no nervo ciático, é dor no joelho, é dor de cabeça. Esta última me preocupa mais.
Ontem passei muito mal e até pensei em ligar para minha irmã para me levar ao hospital. Mas era madrugada e eu não queria atrapalhar o sono dela e de sua família e nem do meu irmão Fubá e de sua família, principalmente da pequena e preciosa Rafaela.
Foi tanta dor que me fez vomitar. Uma pressão absurda na minha cabeça na região da nuca e que fez perder sangue pelo nariz.
Tomei os remédios e voltei para a cama. Elevei o travesseiro para ajudar com o sangramento nasal. 
Começo a me distanciar e a entrar lentamente no mundo do sono, mas essa minha tão desejada e necessitada viagem foi interrompida - como sempre - pelos latidos incessantes da cachorrada da rua. E como se isso não bastasse, o moleque sem educação do vizinho fica acordado até tarde, fala muito alto, as irmãs gritam mais alto ainda e ele tem o saudável hábito de jogar video game até altas horas. O outro vizinho inventou de arrumar um cachorrinho que late pra caramba. Um outro vizinho arrumou um galo que canta a hora que a inspiração lhe invadir a alma, o coração e a goela. 
Estamos cada vez mais nos tornando uma sociedade barulhenta, egoísta e sem educação.
Amanhece o dia e o barulho continua; agora é a vez dos rapazes que aguardam os  caminhões ficarem prontos para poderem sair (já falei sobre eles aqui).
Às sete horas ouço as vozes dos varredores de rua da Prefeitura e eles tocam a campainha para oferecer seus serviços: cortar o matinho que cresce na calçada e próximo ao portão em troca de algum dinheiro. Só que esse matinho é comido por minha gata Aurora quando ela comete exageros "racionais".
Ignoro a campainha mas os varredores insistem e tocam incessantemente e chamam em voz alta. Não sou surda! 
Que falta de educação! 
Acredito que são pagos para fazer o serviço que estão fazendo e não me incomodaria dar um trocado, mas não às sete horas da manhã e após uma terrível noite de insônia e dor. Pelo amor de Deus!
A falta de educação e de respeito estão cada vez maiores.
Não consigo dormir e me levanto para cuidar da higiene e alimentação dos meus gatos.
Não tomo café da manhã, não consigo comer e meu estômago também me incomoda.
Tomo banho e vou ao laboratório buscar meu exame para depois levá-lo ao médico. Mais uma vez sou olhada, observada, escrutinada como se fosse de outro planeta.
Chego ao endereço do consultório e estaciono na vaga reservada para deficientes físicos, mas tem muito deficiente de caráter que estaciona na vaga "só por uns minutinhos". É muito difícil achar a vaga que é minha e das pessoas que também têm o direito a ela; tem sempre um engraçadinho com seu carrão estacionado.
Manobro para colar o carro entre dois carros enormes e quando estou terminando, um carro encosta lateralmente e o simpático motorista diz: "Essa vaga aí é de deficiente, dona".
Não falei nada, apenas mostrei meu Cartão Defis. O cara ficou na dele. 
Suave.
Vou à outra clínica médica e estaciono o carro na vaga de deficiente físico. O manobrista pede para eu deixar as chaves. Deixo. Quando volto o carro está em uma vaga comum e as três vagas especiais estão vazias. Por que ele tirou o carro da vaga? Vai entender...
Amanhã vou à Farmácia Alto Custo e deixarei o carro na rua para correr o risco de ser arranhado como já foi. Há várias vagas para deficiente físico, mas estão fechadas por correntes com cadeados. Perguntei ao segurança que fica na entrada do prédio porque aquelas vagas estão bloqueadas e ele diz que é "Pro pessoal não folgar". Ah tá.
E as pessoas que têm mobilidade reduzida terão que "folgar" em vagas distantes da entrada e ter que dar uma boa caminhada até o prédio. Legal, né?
Que país é esse? Um país que quer entrar para a elite do primeiro mundo mas que a educação do seu povo está mais para o mundo inferior. 
Mas também não é de se estranhar muito, não é? 
Um país que elege um palhaço semianalfabeto e ainda entrega-lhe a Pasta da Educação.
Um país que elege como imortais nas ABL - Academia Brasileira de Letras -  um político dinossauro e um pseudo mago e ainda confere medalhas de não sei das quantas para um jogador de futebol dentuço que adora dar festas barulhentas. 
E Mario Quintana (sem acento mesmo, como foi registrado em cartório), "o poeta das coisas simples", nunca recebeu os votos necessários para ser membro da ABL. Quem perde é a própria ABL.
Que país é esse?
                                  
Mario Quintana
                                               
                                         









domingo, 27 de novembro de 2011

Matemática de Beatriz

                                  




Beatriz abre seu cofre para nos mostrar suas economias.
Beatriz ainda não sabe calcular valores, tem apenas 5 anos, mas sabe que a moeda de um real vale mais dos que as moedas pequenas de cinco ou dez centavos.
Ela separa as moedas de um real e diz: "Eu tenho cinco moedas de um real".
Fubá diz: "Então você tem cinco reais".
"Não, tio Fubá. Eu tenho cinco moedas de um real. Eu não tenho cinco reais"


                              

sábado, 26 de novembro de 2011

Papai

                                            


Papai é personagem de muitos casos engraçados. Hoje rimos de tudo isso, mas em épocas de vida em família com seu José Soares e suas "inguinórança" dava até raiva, meu. Era muita implicância, sermão, ignorância...Ave Maria!
Como já foi dito, papai tinha seu próprio modo de falar, o seu português próprio com sua marca de oralidade.
Papai adorava andar cheiroso. Tomava seu banho de gato de 5 minutos e depois despejava o vidro de perfume em cima da cabeça. Mamãe e nós criticávamos os banhos rápidos de papai e ele dizia: "Oxe. É num carece de demorá tanto no banho não. Pra gastá água? Num tem precisão disso não sinhô". E eu sempre gostei de andá cheiroso, por isso uso bastante prefume".
Papai já tinha consciência ecológica e estava preocupado com o aquecimento global.
Aos sábados e domingos mamãe gostava de preparar pratos leves para jantar, estava cansada do arroz-feijão-farinha-carne de todo santo dia. Mas papai, só pra contrariar dizia que queria comida e ponto final. Mamãe oferecia torta ou lanches e papai sempre reclamava: "Oxe. O pião trabaia a semana todinha de chocaio tampado e vai cumê tóta? Não sinhora, muito obrigado! Eu quero o di cumê!". 
E lá ia mamãe esquentar feijão, fritar bife...
Somos convidados para casamentos e papai pede a mamãe para passar o palitô (paletó). Francês é mais chic, né?
Papai vai ao banco Bradisco (Bradesco).
Mamãe oferece janta mas papai para contrariar pede um sanduísque (sanduíche).
Pesquisamos nos livros para um trabalho de Ciências - não havia Internet na época - e encontramos sanguessugas, mas papai, claro, diz que o livro e nós estamos errados; é xamexuga. "Mas pai está no livro". "Não sinhô. Vocêizi tão errado. O livro tá errado. É xa-me-xu-ga!".
Uma visita chegava em casa para anunciar o nascimento do neto, do filho ou do sobrinho e mamãe perguntava: "A mãe e a criança estão bem? É o primeiro filho que você tem?"
Se a visita fosse do sexo masculino, papai interrompia a conversa para dizer: "Quem teve a criança foi a mulher dele. Homem não tem, quem tem é mulher,homem pissui (possui)".
Papai também tinha o saudável hábito de acordar (e a nós também) bem cedo,mesmo nos fins de semana; batia na porta, abria a janela e dizia: "Os passarinho que não deve nada a ninguém já tão de péis e vocêizi drumindo ainda uma hora dessa!".
"P.Q.P os passarinhos. Nós trabalhamos a semana toda e temos o direito de dormir até mais tarde no domingo. Pelo amor de Deus", reclamava Rosi.
Papai retrucava: "Pelo amor de Cristo. Nunca vi uma pessoa acordá com tanto mau amor (mal humorque nem essa menina. Credo em cruz".
Papai também era muito econômico, mão de vaca mesmo, e queria que as compras do mês durassem mais que um mês. Impossível numa casa com tanta gente.
Papai ficava doido quando mamãe nos mandava pedir dinheiro a ele para comprar qualquer coisa, principalmente sabão. Acho que papai estava preocupado com a espuma dos sabões e detergentes nos rios.
Nenhum de nós queria enfrentar papai e tentávamos subornar um ao outro para ir em nosso lugar. Prometíamos dinheiro, liberar a televisão, o aparelho de som, alguma roupa nova e por aí vai.
Íamos, mas voltávamos sem dinheiro e sem sabão. Papai voltava do trabalho mas antes passava no mercadinho e comprava o sabão mais sem vergonha que tinha. Mamãe ficava doida: "Dedé, e tu qué que eu lave tuas roupas sujas de óleo com essa sabão nojento, é? Oxe, isso não presta não!".
"Sinto muito. E tu qué que eu me vire em sabão ou em dinheiro, é? Oxe, fizêmo compra dias desse. Parece que tu come sabão, mulé"
"Que esses dias o quê. Já tá com mais de quinze dias que as compras foram feitas".
"E vai ter que aguentá mais quinze dias, minha filha, pois o pagamento só sai de hoje a oito (em uma semana)".
Íamos à feira com mamãe, que sempre comprava o básico: laranja, banana, batata, cebola, tomate, coentro e temperos moídos na hora. Frutas como maçãs, peras, uvas e outras, eram coisa de rico e nós não éramos ricos. Éramos ricos das graças de Deus, como mamãe gostava de dizer.
Chegávamos da feira e papai contava as bananas. Deixava algumas na fruteira em cima da mesa e escondia o resto debaixo da cama!
A fruteira ficava vazia em alguns dias e papai reclamava: "Vô na casa do povo e vejo as fruita na mesa, aqui as fruita se acaba de um dia pro outro. Isso é coisa de gente amundiçado"
Lá pelo meio da semana sentíamos um cheiro de fruta amadurecida e víamos mosquitinhos sobrevoando o local do esconderijo; as bananas tinham estragado.
O leite era só para crianças de até um ano de idade; fez um ano e um dia já não podia mais tomar leite. Na mentalidade de papai, quando a criança completa um ano de idade já está grande o bastante para comer comida de panela e não carece mais de tomar leite. A carestia tá grande.
Às vezes converso com minha irmã Rosi e nos perguntamos como é que não nos tornamos pessoas erradas, envolvidas com coisas erradas; como é que não ficamos malucos (há controvérsia) ou com outros tipos de problemas. Somos muito fortes, ou não era mesmo para sermos pessoas erradas, ou foi um milagre. 
Deus existe.
                                  









Português & Espanhol

                                        


Papai trabalhava vendendo doces, salgados e café numa barraquinha instalada na calçada de um posto de saúde.
Papai levantava muito cedo, preparava o café e saia com sua sacola pesada para tomar o ônibus.
Algumas vezes papai reclamava do motorista do ônibus que não parava ao sinal de papai, mas parava fora do ponto para ser gentil com as moçoilas de cofrinhos à mostra.
Papai era ignorante, semianalfabeto, teimoso, manhoso, tinhoso, mas muito trabalhador. Até demais. Pena que alguns dos filhos dele não puxou a essa tão nobre característica.
Papai estava se cansando; anos e anos de trabalho duro e o que deveria ser apenas uma atividade para passar o tempo acabou se transformando em trabalho sério para o sustento da casa e de pessoas sem noção.
Papai sabia assinar o nome e escrever algumas palavras muito rusticamente, aliás, foi mamãe que ensinou-lhe as primeiras letras. Papai também falava rápido demais e às vezes até nós mesmos tínhamos dificuldade para entender o que ele dizia. Uma colega de minha irmã Rosi perguntou a ela como entendíamos o que nosso pai dizia e ouviu a resposta:
"É que nós já nascemos com a tecla SAP".
Papai está em sua barraquinha arrumando suas coisas quando uma boliviana se aproxima. Há um número muito grande de hermanos bolivianos em São Paulo.
A boliviana pergunta a papai se tem pastel. Para nós pastel é aquela massa recheada e frita que comemos na feira com caldo de cana. Delícia.
Papai não entende e olha para mim pedindo ajuda. Eu finjo que não entendi também.
A moça continua a pedir pastel e a gesticular, numa tentativa de se fazer entendida e conseguir o que tanto deseja: bolo. É, pastel em espanhol é bolo.
Papai fica nervoso e coloca em cima do balcão vários tipos de bolacha enquanto fala para a moça de língua hispana: "Ói, tem essas bulacha aqui ó. Tem réchiada, doce, saigada e cremi cráqui". 
Mas a boliviana balança negativamente a cabeça e dizia: "No senõr, aquele pastel, así redondo".
Ahhhhhh bom! Agora sim. Ela queria bolo.
"Pai, ela quer bolo".
"Oxe, e pruquê ela num falô antes?"