segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Raiva

                                 


Fiquei um tempo sem dirigir, mas precisava ir ao supermercado, as coisas estavam acabando.
Fui até a casa da minha irmã, que iria comigo, e não foi fácil chegar lá. Pé que escorrega do pedal e ter que dirigir segurando a perna. Outros motoristas buzinando, ultrapassando e xingando. Todos muito apressados e perfeitos. Nunca envelhecerão? Terão saúde para sempre?
Parei no farol e fui invadida por um misto de raiva, tristeza e frustração: Raiva!
Por que?!
Por que não posso andar livremente? Por que preciso de bengala e andador? Por que minha saúde piora a cada dia? Por que não posso ter uma noite de sono sem dor? Por que não posso ter o simples prazer de viver minha vida simples ao lado do que eu mais amo nessa vida: gatos, livros e plantas?!
Por que tanto remédio? Por quê? Por quê? Tantos porquês...
Quando a gente pensa que as coisas finalmente começam a entrar nos eixos...
Será castigo? Mas por quê? O que eu fiz para merecer tal castigo?
Sempre fui uma pessoa simples e sem luxo ou frescuras. Como dizia meu povo antigo: "E tu já visse pobre com luxo? Oxe!"
Sempre tratei a todos com respeito, mesmo àqueles com quem meu santo não cruza. 
Nunca prejudiquei ninguém, nunca me aproveitei de ninguém, nunca roubei nada nem ninguém (exceto livros e plantas).
Tenho ficado muito em casa porque sair está complicado. Dá muito trabalho tirar o carro, descer para fechar o portão e ver e ouvir pessoas reclamando da minha demora. Não posso correr.
E-mails do coordenador nos alertando para as datas da atribuição de aulas; começa hoje.
Escolher as turmas, preferencialmente os pequenos e terríveis das quintas séries (sexto ano). Entrar em sala de aula, ver aquelas carinhas com olhos arregalados, expressão de medo e curiosidade e as mãozinhas levantadas: "A senhora é muito brava?"
Depois da primeira impressão vêm as habituais perguntas de todo o sempre, desde quando eu era aluna: "A senhora trabalha ou só dá aula? A senhora é casada? Tem filho? Tem cachorro?"...
Por que não posso ter e viver tudo isso?
Por que o que mais gosto está lenta e dolorosamente sendo tirado de mim?
Mais uma noite mal dormida com muito calor, pernilongos e muitos porquês.
É fácil não.
É isso.


                                    


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