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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Vergonha

                                                            


Fui à casa de ração onde sempre vou e, como todo lugar em São Paulo, é difícil encontrar uma vaga para estacionar. Às vezes estaciono em frente às casas ao lado da loja, pois vou rapidamente, mas dessa vez alguém teve a mesma ideia e tive que estacionar em frente à padaria.
É uma rua muito movimentada, que vai até o acesso para a Via Dutra e é ponto final de algumas linhas de ônibus.
Desço do carro e aguardo o momento certo para atravessar; não é todo motorista que dá preferência ao pedestre e muitos deles aceleram ainda mais só para não ter que parar.
Encostei no possante e esperei, era carro demais nos dois sentidos da rua. 
Ao longe vejo um carro de uma pessoa conhecida e penso que ela seguirá em frente, mas não, ela reduz e faz sinal para eu atravessar; recusei educadamente.
Fiz sinal para que ela seguisse em frente e ainda fiz outro sinal para indicar que tinha muitos carros indo nos dois sentidos. A pessoa me cumprimentou rapidamente e seguiu seu caminho.
Na verdade, não queria atravessar em frente à pessoa conhecida, queria que ela saísse dali para que eu atravessasse a rua sem que ela me visse andando com a ajuda de uma bengala. Tolice, eu sei.
Senti-me envergonhada e triste.
Não é vergonha andar com a ajuda de uma bengala, eu sei, mas me senti assim.
Senti uma tristeza brutal por não andar como antes, sem a ajuda de uma bengala. 
Senti uma fragilidade tremenda, uma fraqueza absurda e ambas somadas à vergonha e tristeza. Haja coração!
Sempre andei pelo bairro, adorava fazer longas caminhadas aos fins de tarde. Gostava de passar pelas ruas onde morei, pela escola onde estudei, pela igreja onde ia com minha avó Mãevelha, pelas ruas onde moravam muitos parentes, pelas ruas da minha infância.
Sempre fui vista como "grandona", saudável, "fortona", e agora preciso de bengala para andar e mesmo assim não é fácil.
Dores articulares, entrevamento, um sentimento de dureza nas pernas e em todos os ossos: uma múmia.
Sim, a pessoa que parou o carro para eu passar sabe da minha condição e é uma pessoa bacana, mas mesmo assim eu preferi deixá-la passar a me ver andando com a bengala. É bobagem, eu sei.
Teremos uma semana de recesso escolar e vou aproveitar esse período para voltar ao tratamento, dessa vez no Hospital do Servidor Público Estadual. 
Fugi dos médicos por temer novas cirurgias, mas com essas articulações duras e doloridas, com esses joelhos inchados e fracos e a coluna que dói como antes da cirurgia, o jeito é encarar "os homi da casaca branca".
Vou ficar bem. Tenho fé.
Acredito.
É isso.



                                    

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Abandono

                               


Muito frio. 
Noite passada foi a noite mais fria do ano em uma década; congelante.
Segundo a meteorologia, as temperaturas continuarão a cair ainda mais nos próximos dias; "Ave Maria! Vai congelar todo mundo!", diria mamãe.
Sonhei com mamãe.
Primeiro, íamos ver uma casa que estava para alugar e era uma casa simples, nos altos, cômodos iluminados, cozinha pequena e uma pequena área de serviço com pia e churrasqueira!. Muito legal.
O que me chamou a atenção foi a cor das paredes da cozinha; uma tinta a óleo num tom verde bandeira nada discreto, bem ao estilo de pintura de papai.
A pia e a churrasqueira lembravam uma época antiga. A casa ficava nos altos e adorávamos ver a cidade iluminada. É o segundo sonho que tenho indo para uma casa com papai, mamãe e meus irmãos.
Acordo com Rosinha defendo seu espaço debaixo dos cobertores e Aurora querendo se enfiar debaixo deles. Foi uma noite muita fria.
Volto a dormir e sonho de novo com mamãe que dessa vez está muito brava comigo. Estamos eu e minha irmã Renata sentadas em um banco de madeira enquanto aguardamos mamãe entrar por uma porta e vir diretamente em minha direção. Penso que ela vai me abraçar forte, como sempre faz, mas não, ela me dá broncas: "O que você está pensando da vida? Por que você abandonou o tratamento? Você não percebeu que está emagrecendo rápido demais? Você não está levando a sério um problema que é sério demais! Vamos, se aprece que ainda dá tempo!"
Acordei confusa e olhando em volta, pois tive a impressão de que alguém acabara de sair do quarto. 
Volto a dormir e tenho outros sonhos estranhos, com criaturas estranhas, com pessoas fazendo coisas estranhas. Me vejo em um laboratório maluco com cientistas malucos fazendo experiências estranhas com criaturas estranhas.
Ave Maria!
Ligo para minha irmã Rosi e falo para ela sobre o sonho.
Ligo para minha amiga Cleusa e falo para ela sobre o sonho.
Ambas têm a mesma opinião: eu dei uma abandonada no tratamento, meio que larguei de mão os médicos, exames, laboratórios e afins.
Bom, não larguei de tudo, apenas parcialmente.
Cansa, é chato, é triste, é desgastante ir sozinha e voltar sozinha de consultas e exames. É doloroso física e emocionalmente ter agulhas enfiadas pelo corpo á procura de veias e para aplicação de medicamentos.
Mas...
Como diziam mamãe e meu povo antigo: "Não cai uma folha de mato sem que Deus não queira", "Deus nunca desampara os filhos Dele", "Não tem nada como um dia após o outro e uma noite no meio".
Amanhã agendarei os exames pedidos e consultas.
Tenho que estar bem para ver meus sobrinhos formados e ver Beatriz tocando muito Rock do bom.
Verei. Se Deus quiser.
É isso.