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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Homem do Casulo Branco

                                          


Eu era pequena e dormia no quarto com minhas primas Sônia e Conceição, que já eram adultas.
Nos outros quartos dormiam Mãevelha e Paipreto, mamãe grávida de Naldão e com Rogério bebê (como mamãe mesma dizia: "Era igual a São Bento, um fora e outro dentro"), e outros parentes.
Era uma casa grande de calçada alta, portas e janelas amplas e pintadas de azul céu.
Havia uma bodega (bar/boteco) bem ao lado da casa e havia chovido muito durante a noite.
Houve uma briga de bêbados e na manhã seguinte acordamos com os gritos de pessoas que passavam por ali; o corpo de um homem virado de bruços e o sangue a colorir a água da poça formada pela chuva da noite anterior.
Paipreto não deixa que eu saia à calçada da casa, não quer que eu veja aquela imagem.
Anoitece e é chegada a hora de irmos para a cama; deito-me na grande cama de casal com minhas primas Sônia e Conceição, eu fico no meio e elas servem de proteção para eu não cair.
Mãevelha deixava um cadeeiro ou um lampião de gás sempre aceso durante a noite; aprendemos que não é bom deixar tudo escuro, pois os anjos são guiados pela luz até nossas casas.
Adormecemos.
Sou acordada por um clarão azulado e o vai e vem de um homem baixo e moreno que entra e sai rapidamente do quarto. 
Cubro a cabeça e olho por uma brecha no lençol e vejo o homem sair dos cômodos da casa carregando enormes casulos brancos nas costas e os encostando na parede do corredor. O que será que esse homem está fazendo? O que são essas coisas grandes e brancas que ele carrega nas costas? Por que ele faz isso? Por que está aqui? Quem é esse homem?
Fazia essas perguntas mentalmente enquanto observava o homem apressado em sua tarefa.
O homem encosta vários casulos brancos grandes na parede e vem em direção ao quarto em que estou com minhas primas! Ele enrola e leva minha prima Sônia e depois volta para buscar minha prima Conceição. Entro em pânico; não tenho forças para gritar e chamar mamãe, Paipreto, Mãevelha e acordar a casa toda. 
Tento acordar minha prima Conceição quando o homem leva a prima Sônia, mas ela está imóvel. Me enrolo ainda mais no lençol e me encolho, numa tentativa de não ser vista pelo homem do casulo branco.
Pronto. O homem já tem todos os casulos de que precisava, estão todos encostados na parede e agora se prepara para levá-los embora. Meu Deus!
E me vi sozinha no quarto e na casa e estava com muito medo; o homem confere os casulos e volta ao quarto: "Meu Deus, ele vai me pegar agora!", mas o homem se aproxima da cama, me olha, sorri e vai em direção ao corredor; a luz azulada parece segui-lo.
Acordo chorando, nervosa e minhas primas perguntam o que foi. Contei o que vi e minha prima Sônia diz para eu rezar para Nossa Senhora do Desterro e pedir a ela para me proteger, e à minha família também. 
Sempre. 
Amém.
O homem do casulo branco não me parecia mau, me parecia com muita pressa em concluir seu trabalho, conferir tudo direitinho e ir embora.
Mas quem era esse homem? O que eram aqueles casulos? Por que e pra que ele queria aquelas pessoas enroladas em forma de casulo naqueles lençóis brancos? Por que ele não me pegou? Por que ele sorriu para mim?
Tempos depois nos mudamos para uma casa perto da pista, em Gravatá.
Tempos depois meu Paipreto vai para o céu.
Tempos depois Mãevelha, minha prima Sônia, papai e mamãe também vão para o céu.
Ficamos nós, as crianças da época. Somos adultos hoje.
Nossa Senhora do Desterro, proteja a mim e a minha família. Proteja a todos nós.
Amém.


casulos
           



sábado, 28 de abril de 2012

Lanche Mirabel

                                                


Era uma marca de biscoitos tipo wafer e tinha apenas os clássicos sabores morango e chocolate.
Não gosto muito de bolacha recheada, mas gosto muito de wafer.
O Lanche Mirabel vinha em embalagem pequena com oito unidades e era o lanche favorito da molecada na hora do recreio.
Mamãe tinha conta no Bar da Viúva e todas as manhãs eu pegava meu lanche e pedia para marcar na conta dela.
O bar ficou conhecido como o Bar da Viúva após o assalto que terminou com a morte do dono do bar, deixando a esposa e um casal de filhos.
Eu comia o lanche no caminho para a escola, demoraria muito para chegar a hora do recreio.
E por falar em lanche , havia também uma outra marca de wafer da qual gostávamos muito, era Recreio.
Bons tempos aqueles.




                                               

sábado, 14 de abril de 2012

Colorau

                                              


Colorau é um pó vermelho de origem vegetal e é usado como tempero.
O colorau deixa a comida com uma cor bonita e atraente.
Havia acabado o tempero e mamãe manda Naldão comprar, mas ele volta de mãos vazias e diz que o homem do bar disse que não tinha colorau. Mamãe achou aquela história meio estranha e volta ao bar com Naldão, lá chegando vê vários pacotinhos de colorau pendurados  na prateleira do lugar.
Mamãe arreta-se e pergunta ao dono do bar: "Meu filho acabou de sair daqui e disse que não tinha colorau".
"Mas senhora, ele pediu um coisa estranha e como ninguém entendeu o que ele dizia, então falamos que não tinha".
"E o que foi que ele pediu?"
"Ele pediu cororau"
Naldão tinha a língua presa e falou um colorau meio americanizado: "courourau"


                                                

domingo, 8 de abril de 2012

Bar da Tia Anália

                                             


Domingo de Páscoa.
Não gosto muito de domingos, causam-me certa melancolia.
Fez um dia muito quente, sol forte, calor; esperei o entardecer para sair um pouco e passear pelas ruas do bairro, como eu sempre gostei de fazer.
Passei em frente à Paróquia Santa Rita e estranhei vê-la fechada em pleno domingo de Páscoa. Segui em frente e passei pelas ruas que costumava passar quando criança; a parentada morava espalhada pelo bairro.
Passei em frente ao que um dia foi a casa de tia Anália, com suas plantas, seus crótons e seu pé de pitanga.
Chegávamos à casa da tia e ela nos mandava comprar pão e leite tipo C para o café da tarde. A padaria ficava longe, mas os bares e botecos próximos vendiam pão e leite, o que facilitava a vida de muita gente.
O bar próximo à casa da tia ficou conhecido como o "bar da tia Anália" e ela achava muita graça quando falávamos assim.
A casa que tia Anália morou é hoje um prédio cinzento e tristonho, bem diferente do seu quintal florido, mas o "Bar da tia Anália" continua o mesmo.