Mostrando postagens com marcador chácara. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador chácara. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Tardes Luminosas

                               



Levantei cedo; as dores não me deixam dormir em paz.
Viro para um lado e para o outro procurando uma posição que acomode bem os joelhos e a coluna que doem dia e noite. 
Se estou sentada ou andando pela casa, incham os pés e dói tudo. Se estou sentada por muito tempo, dói a coluna e quando me deito, as dores deitam junto. Difícil.
Têm feito dias bonitos e tardes luminosas que me fazem viajar no tempo, no espaço e no passado. Adoro essas tardes luminosas de outono.
Lembrava de nossas visitas às casas dos parentes; andávamos pelo bairro e mamãe sempre parava para cumprimentar alguém: "Vamo, mãaaaaaaae".
Tomávamos café na casa da tia Anália, saíamos carregados com muitas verduras da chácara onde viviam e trabalhavam uma prima e sua família.
Couve, almeirão, alface, cebolinha, coentro... Era muita verdura.
Mamãe fazia bolinhos com essas verduras e ficavam deliciosos. Era nossa mistura nos dias que não tinha carne. 
Papai, como sempre, reclamava: "Isso lá é mistura?! Mistura tem que ser carne! Deus disse que nem só de pão vive o homem..." E a ladainha prosseguia.
Tentávamos argumentar: "Pai, Deus quis dizer que não é só de comida que a gente vive, além de alimentar o corpo, tem que alimentar o espírito também"
"E desde quando isprito come? Oxe!"
Era muita "inguinórança", meu Deus.
Estava me lembrando dessas presepadas de papai e muitas outras, perpetradas por ele e pela família ilustre.
Saudades, lembranças, risos, sorrisos... tardes de outono.
É isso.



                                   Resultado de imagem para bolinhos de verduras

domingo, 11 de março de 2012

Chácaras

                                            


O bairro onde é moro é tomado por caminhões e transportadoras, mas antigamente eram poucos os caminhões e muitas as chácaras e casas simples.
A maioria das ruas era de terra e só as avenidas principais eram asfaltadas.
O bairro era dividido em três partes: o morro e as ruas depois da avenida, onde ficavam as casas bonitas e onde moravam os ricos. São Francisco, pequena vila dentro do bairro onde fica a Paróquia de Santa Rita de Cássia, onde se concentrava a maioria das chácaras e da malandragem da região naquela época (hoje tem por toda a parte), e as outras ruas.
Morávamos nas "outras ruas".
Papai e mamãe não queriam que fossemos sozinhos a São Francisco por ser perigoso, então só ficávamos na nossa rota: escola, casa, mercadinho.
Na hora da saída da escola ficávamos observando os colegas e o caminho que faziam; se fossem em direção às ruas próximas à nossa ou à vila de São Francisco eram pobres pé rapado igual a gente, mas se fossem em direção ao morro ou se atravessassem a avenida, então eram os riquinhos da escola.
Gostávamos de andar pelo bairro e observar as casas bonitas dos ricos. Adorávamos casas grandes, com quintais grandes, janelas grandes, jardins e com campainha. Tocávamos e saíamos correndo. Ótimo exercício físico.
Cada um de nós escolhia "sua" casa favorita e fazíamos planos sonhando acordados. Sempre moramos em casas simples e olhar casas bonitas era uma diversão para nós.
Hoje a divisão do bairro não existe mais com tanta força como era antigamente; as casas grandes e bonitas do morro ainda existem mas as ruas de lá já estão invadidas com caminhões e transportadoras. A vila de São Francisco continua com ares bucólicos e também foi tomada por caminhões. As ruas depois da avenida perderam a graça e foram invadidas por construções horrendas e por habitações populares de programas do governo. 
O bairro que outrora fora tão bucólico e verde hoje está frenético e cinza.
Os novos invasores da vez são os prédios de apartamento e eu fico pensando como será o trânsito quando mais moradores se mudarem para suas novas moradias.
Em uma das ruas onde moramos havia muitas casas térreas com quintais grandes e floridos e eu adorava caminhar pelas ruas só para apreciar a beleza das flores. Tinha uma flor peluda e aveludada chamada de crista de galo e eu parava em frente ao portão só para observá-la de perto. 
Eram margaridas, flores roxas, cristas de galo, coloridas flores do campo, cravos, cravinas, crótons, pitangueiras, amoreiras, pés de cana, sempre-vivas, dálias e uma infinidade de árvores, flores e plantam que deixavam o bairro ainda mais verde.
Hoje temos caminhões, prédios, cimento e cinza.


                                               



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Bala de Mel

                                              


Estávamos a pouco tempo em São Paulo e tínhamos nos mudado para o bairro onde moramos até hoje. Quando aqui chegamos, moramos por um mês num bairro da Penha, na casa do tio Manoel Gomes e nosso primo Pedro "Sabe como é o negócio" conseguira alugar um pequeno barraquinho próximo à sua casa.
O primo sempre falava a frase "Sabe como é o negócio" e a usava para tudo o que fosse assunto. Ele não é muito normal, é meio fraco das ideias.
Uma prima nossa, a Ivete, que ri de tudo e por tudo, já morava no bairro há algum tempo e pede ao seu marido, o finado Antonio Roque, para nos mostrar os arredores.
Mamãe e Mãevelha cuidam da limpeza do pequeno barraco enquanto papai, o tio Manoel Soares e o primo Pedro cuidam da mudança. Não tinha muito o que trazer; basicamente sacolas e malas com roupas e alguns pertences. A esposa do tio Manoel Gomes nos deu um sofá cama grandão e pesadão de plástico vermelho com minúsculas bolinhas coloridas. Aquilo me lembrava o Universo, as estrelas e as constelações. É, eu sei, eu tinha apenas seis anos, mas também sempre fui meio fraca das ideias. Mal de família.
É que tínhamos outro primo maluquetes mas de inteligência absurda e ele gostava de ir à casa de Paipreto e Mãevelha para estudar e ler seus muitos e adorados livros. Ele gostava da ampla mesa da casa de meus avós e dizia que estudava melhor naquela mesa grande e limpa. Eu também sou assim, nunca consegui estudar e/ou fazer minhas lições de casa se a mesa não estivesse limpa e arrumada. Mania de gente maluquetes.
O primo intelectual, João Cândido, nunca se casou, não teve filhos e preferia a companhia de seus preciosos livros à companhia de pessoas; de certas pessoas, talvez.
Estou achando que isso é mal de família mesmo. Ai Jesus!
João Cândido respondia às perguntas de Paipreto e falava sobre tudo: geografia, História, línguas, astronomia e para toda pergunta o primo tinha uma responda inteligente na ponta da língua.
Eu ouvia as conversas do primo João Cândido com Paipreto e acredito que foi dai também que surgiu meu interesse pelos livros e pelo conhecimento.
Aliás, meu Paipreto sempre dizia: "Minha filha, não tem riqueza maior no mundo do que o conhecimento".
Meu Paipreto.
Bom...
Durante a limpeza do barraco e a mudança dos nossos cacarecos, papai pede a Antonio Roque para ir comprar café e cigarros; não conhecia bem a região e estava ocupado com seus afazeres.
Vou com Antonio Roque ao botequinho e caminho segurando sua mão.
Antonio Roque era negro e alto e eu achava que ele parente do meu bisavô Francisco. 
E eu tenho uma coisa com mãos; adoro pegar, segurar, beijar, buscar força e conforto nas mãos daqueles que gosto. As compridas e fortes mãos de Rafaela, as brancas, finas e delicadas mãos de Maitê, as mãos hábeis ao segurar o lápis de Beatriz, as mãos sempre magrinhas, frágeis e compridas de Maria Julia, as mãos fofinhas e gordinhas de mamãe... Mãos.
Volto para casa com Antonio Roque e ele me mostra o bairro que consiste basicamente de chácaras, ruas de terra e de barro vermelho agora alagadas pelas fortes chuvas de março. São as águas de março fechando o verão é promessa de vida em teu coração - Tom Jobim e Elis Regina. Grandes talentos de nossa música.
Observo o verde das chácaras contrastando com o céu límpido e azul, as nuvens brancas e fofas, a terra vermelha molhada e a correnteza que se formara com as fortes chuvas.
Achei lindo aquele espetáculo da Natureza; aquela profusão de cores e sentidos.
Cheiro de terra molhada, cheiro das verduras frescas e molhadas das chácaras, cheiro do café e do cigarro de papai.
Antonio Roque havia comprado também algumas balas de mel. Para nós, bala era só de revólver e a bala doce era chamada de confeito. 
Lembro-me da embalagem das balas de mel, era um papel amarelo com listras pretas imitando o corpo de uma abelha. Lembro da marca da bala: Kid´s.
A bala era dura e recheada com um líquido que deveria ser mel. Era muito claro e ralo para ser mel, mas tinha gosto de mel. Pronto.
Caminhamos de volta para casa e paro aqui e ali para apreciar as belezas e encantos da Natureza. Antonio Roque espera pacientemente e diz para irmos logo, pois vai escurecer e papai e mamãe já devem estar preocupados com a demora. Não havia iluminação na nossa casa nem na rua, só nas ruas e avenidas principais do bairro. Nosso barraco era iluminado à luz de velas, mas pouco tempo depois foram feitas melhorias no bairro e já podíamos assistir ao Jornal Nacional numa grande, velha e pesada TV dada por tio Manoel Gomes. 
Chegamos finalmente em casa e mamãe pergunta: "E por onde vocês andaram?"
Antonio Roque conta o ocorrido e mamãe diz: "Mas essa minha moleca não jeito mesmo"