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quarta-feira, 15 de abril de 2015

Tardes Luminosas

                               



Levantei cedo; as dores não me deixam dormir em paz.
Viro para um lado e para o outro procurando uma posição que acomode bem os joelhos e a coluna que doem dia e noite. 
Se estou sentada ou andando pela casa, incham os pés e dói tudo. Se estou sentada por muito tempo, dói a coluna e quando me deito, as dores deitam junto. Difícil.
Têm feito dias bonitos e tardes luminosas que me fazem viajar no tempo, no espaço e no passado. Adoro essas tardes luminosas de outono.
Lembrava de nossas visitas às casas dos parentes; andávamos pelo bairro e mamãe sempre parava para cumprimentar alguém: "Vamo, mãaaaaaaae".
Tomávamos café na casa da tia Anália, saíamos carregados com muitas verduras da chácara onde viviam e trabalhavam uma prima e sua família.
Couve, almeirão, alface, cebolinha, coentro... Era muita verdura.
Mamãe fazia bolinhos com essas verduras e ficavam deliciosos. Era nossa mistura nos dias que não tinha carne. 
Papai, como sempre, reclamava: "Isso lá é mistura?! Mistura tem que ser carne! Deus disse que nem só de pão vive o homem..." E a ladainha prosseguia.
Tentávamos argumentar: "Pai, Deus quis dizer que não é só de comida que a gente vive, além de alimentar o corpo, tem que alimentar o espírito também"
"E desde quando isprito come? Oxe!"
Era muita "inguinórança", meu Deus.
Estava me lembrando dessas presepadas de papai e muitas outras, perpetradas por ele e pela família ilustre.
Saudades, lembranças, risos, sorrisos... tardes de outono.
É isso.



                                   Resultado de imagem para bolinhos de verduras

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Bolinhos e Rosquinhas

                              


Fiz bolinhos de chuva e os polvilhei com açúcar. 
Preparei um bom café forte e doce na medida. Tomei deliciosos goles entre uma mordida e outra nos bolinhos.
Minha avó Mãevelha adorava bolinhos com café ou às vezes com chá Mate Leão. 
Em épocas difíceis e de pouco dinheiro, mamãe preparava bolinhos para a mistura. Acho tão estranho esse termo.
Farinha de trigo, ovos, sal, óleo, fermento em pó químico, tomate, cebola, alho, folhas, temperos...
Misturava tudo e despejava colheradas no óleo quente; os bolinhos ficavam macios, deliciosos e devorávamos com o arroz e o feijão de cada dia.
Em dias melhores eu fazia rosquinhas; dava um trabalhão mas o resultado eram roquinhas douradas, fofinhas, polvilhadas com açúcar, deliciosas.
Mamãe nem esperava eu fritar as rosquinhas direito e ia colocando-as em um tigela, polvilhando-as com açúcar e devorando-as.
Era dor de barriga na certa.
Eu dizia para mamãe esperar esfriar, que as rosquinhas estavam quentes, que ia fazer mal... Mas mamãe era gulosa, devorava uma boa meia dúzia de rosquinhas, se não mais, e depois reclamava. E ainda tinha a cara de pau de dizer que não gostava muito de doces.
Era tão bom.
É isso.


                                           

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Marmita

                                  

Fomos almoçar na casa da minha irmã Rosi; fomos eu, Naldão e Rogério.
Pepê assou costela, linguiça e picanha; uma delícia.
Conversamos, lembramos causos e histórias antigas e rimos muito.
Hoje rimos, mas se soubéssemos dos "podres" na época, morreríamos de vergonha. Explico.
Meus irmãos Rogério e Naldão trabalhavam com papai na mesma metalúrgica que ficava no fim da rua onde morávamos e vinham almoçar em casa todos os dias. Não precisavam levar marmita, como a maioria dos piões de metalúrgica, como eram chamados os funcionários.
Mas como já disse aqui, meus irmãos têm um apetite que benza Deus! 
Na metalúrgica tinha uma cozinha onde os funcionários tomavam café e almoçavam e tinha também uma geladeira e uma marmiteira (local onde se esquenta as marmitas).
Os funcionários guardavam suas marmitas na geladeira quando chegavam logo cedo para trabalhar e lá pelas onze e meia um deles ia até a cozinha e colocava as marmitas para esquentar.
E o que fazia meu irmão Rogério?
Fingia que ia beber água na cozinha, fechava a porta e atacava as marmitas. Mas só comia a mistura: carne, frango e linguiça, se tivesse ovo, ele deixava pra lá.
Os piões começaram a estranhar o sumiço repentino e inexplicável de suas misturas e comunicou o fato ao encarregado que decidiu manter a cozinha fechada e ficar com a chave. Se alguém precise ir até a cozinha, o encarregado iria junto.
Resolvido o problema das marmitas.
Perguntamos se ele nunca revelou que era ele o assaltante de marmitas inocentes e a resposta foi: "Eu não! Pra eu apanhar?!"
Naldão disse que no começo os piões desconfiaram dele, só porque ele era gordinho.
Rogério disse que hoje pede perdão a Deus. 
Hoje não é tão difícil comer carne como era antes e os piões, como papai, comiam carne com fartura só nos mágicos dias dez e vinte e cinco, dia de pagamento e vale, respectivamente.
Meus irmãos, principalmente Rogério, continua carnívoro, herbívoro e onívoro, graças a Deus.
É isso.

                                       

domingo, 2 de setembro de 2012

Mundiça

                                            

Papai, claro, queria as coisas durassem o máximo possível e ficava muito brabo quando mamãe dizia: "As coisas estão acabando, meu velho, tem que fazer as compras".
Se mamãe falasse que acabou o sabão para lavar roupas ou se a mistura ia ser ovo... Vixe!
Fazíamos as compras e íamos à feira com mamãe e sobre a mesa colocávamos a fruteira carregada com laranjas e bananas, isso no sábado, na terça-feira já não tinha mais nada e papai ficava doido e dava-lhe sermão: "Mas será Deus impussivi?! Já acabou as fruitas que tu comprasse no sábado?! Que povo acanalhado! Amundiçado!"
Mamãe tentava explicar o que papai não queria ver nem entender; a família era grande, os filhos estavam em fase de crescimento e é normal ter um grande apetite, que os "primos" também comiam as frutas....
Os "primos" entre aspas eram rapazes solteiros ou homens casados e pais de família que vinham para São Paulo em busca de trabalho. Esses homens eram conhecidos de algum parente nosso que ficara lá em Pernambuco; bastava dizer que o pai conheceu o avô, da mãe, da tia, da sobrinha, de alguém que conheceu nossos avôs e pronto, era "primo"!
Dizíamos "primos" porque soava menos estranho e evitaria perguntas capciosas, pois era estranho colocar dentro de casa desconhecidos recém chegados de outro lugar que diziam ser parente ou conhecido de algum parente ou conhecido de nossos pais ou avós.
Bom, mas essa fase já passou, graças a Deus.
Eu achava engraçado papai falar "mundiça" e "acanalhado" e tempos depois fui descobrir que "mundiça" significava "imundice" e "acanalhado" significava alguém muito guloso, sem educação, zóião mesmo.
Eu estava em sala de aula e tentava fazer a chamada de quarenta e cinco doces e barulhentos alunos quando um deles diz: "Cala a boca, mundiça! Deixa a professora falar!"
Eu parei para rir e eles adoraram, claro.
É isso.

                                                   

                                      

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pobre

                                   


Ouvi alguém dizer: "Queria ser pobre só uma vez na vida porque todo dia é dose!".
Achei engraçado e lembrei de nosso tempo de dificuldades e de fartura; fartava tudo.
Não somos ricos, ainda batalhamos, e muito, por nossa sobrevivência digna e honesta.
Nossa vida de pobre nos deixou alguns traumas e algumas cismas que fazem com que evitemos alguns alimentos e produtos usados em épocas de dureza: gelatina, banana, mortadela, sardinha em lata, Spam (uma gororoba rosada que deve ser carne enlatada).
Quando não dava para comprar mistura, papai passava no mercado e trazia duas latas de Spam; mamãe fatiava e fritava, ficava um cheiro horrível impregnado pela casa.
E o gosto nem se fala! 
Minha irmã Rosi não gosta desses produtos e alimentos porque a fazem lembrar das fases difíceis de nossa vida de pobre.
Mamãe não gostava quando dizíamos que éramos pobres, mamãe dizia que éramos ricos dos poderes de Deus e que pobre é o diabo.
Mas não dizíamos isso por soberba, mas era tão doloroso vermos os coleguinhas na feira com suas mães a comprar maçãs, peras, uvas, ameixas, melões e mamãe só comprava laranja e banana. Os coleguinhas levavam suas lindas lancheiras com garrafinha para suco e espaço para sanduíches e frutas. Uma colega levou seu lanche embrulhado em papel alumínio e achei aquilo tão bonito e tão gostoso só de olhar.
As coleguinhas iam para a escola usando jeans USTOP e calçando tênis Daytona ou Bamba; no verão elas usavam sandálias plásticas Melissa. Eu sempre quis ter uma.
Os coleguinhas moravam em casas bonitas com piso, azulejo, grades nas janelas, portões altos, campainha, jardim e nós morávamos na pequena casa de quintal grande.
Os coleguinhas iam para a escola vestidos em uniformes novinhos e levavam todo o material escolar pedido na lista, nós íamos com roupas doadas e com parte do material.
Pode parecer bobagem, mas tudo isso marcou muito nossas vidas.
É isso.

Lancheira
                                   






segunda-feira, 28 de maio de 2012

Memória

                                                   


Lembro de causos e acontecimentos de quando era muito criança, mas tenho dificuldade de lembrar coisas atuais.
Fui levar Morena Rosa para a veterinária e lá chegando dou as informações básicas, mas na hora de falar o número do telefone...
"Esqueci! Vou pra casa e de lá te ligo para te falar meu número"
E foi o que fiz.
Eu tinha mania de guardar papéis, documentos e até dinheiro dentro dos livros. Ficavam lá e eu me esquecia.
Tempos depois eu ia fazer a limpeza, adorava tirar meus livros da estante e limpar um por um e depois colocar de volta um por um, e encontrava coisas que eu nem lembrava que existiam ou que eu tivesse colocado lá.
Muitas vezes mamãe via-se nervosa por estar acabando as coisas em casa e não tinha dinheiro nem para o cigarro; o problema maior era papai, que não comia sem mistura, tinha que ter carne, ovo nem pensar. 
Papai ficava bravo ao voltar do trabalho e saber que iria jantar arroz, feijão, farinha e ovo: "Oxe, e não tem carne não, é?"
"É fim de mês, meu velho, as coisas estão acabando, graças a Deus. Você quer que eu faça milagre, é?"
"Eu não vou comer sem mistura!"
"Oxe, pai. É só misturar o arroz com o feijão e pronto!"
Papai ficava doido.
Fim de tarde e mamãe começa a preparar o jantar; ela sabe que papai iria reclamar da falta de carne e da presença de ovo, de novo.
Mamãe tem uma ideia: "Vou procurar nos livros! Quem sabe Rejane não esqueceu um dinheirinho dentro de um deles?"
Mamãe procura e acha.
Chego do trabalho e encontro a mesa farta; mamãe fumando cigarros de um maço cheio, café quentinho e cheiroso, panelas cheias no fogão, graças a Deus.
"Oxe, mãe, onde a senhora conseguiu dinheiro pra comprar as coisas? Pegou emprestado com alguém, foi?"
Mamãe sorri e diz: "É que tem alguém aqui em casa que deixa dinheiro nos livros e esquece".
Outras vezes conhecidos iam à nossa casa para pedir ajuda à mamãe e ela dividia o pouco que tinha. Às vezes a pessoa precisava de dinheiro para a condução, para comprar leite ou remédio para o filho e mamãe dizia: "Tenho não, meu filho. Estou esperando meu velho e meus filhos receberem"
Mamãe pensava um pouco: "Espere aí. Vou dar uma olhada nos livros da minha menina mais velha"
Mamãe com o livro nas mãos, olha para o céu e diz: "Deus abençoe minha filha e os livros dela"
Amém.


Alguns dos meus preciosos livros