quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cheiro, Sabores & Lembranças

Acordei com o som da chuva. Fui até o quintal e apreciei a chuva caindo e molhando as plantas; as gotículas que ficam nas folhas parecem pedrinhas de brilhante.
Observava esse espetáculo da Mãe Natureza acompanhada de meus gatos que me olhavam como se eu fosse maluca. Enquanto observava e apreciava a chuva lembrei-me de alguns causos  e episódios da minha vida antes da Acromegalia.
Eu adorava sentir cheiros, cheirar...Adorava o cheiro de café fresquinho sendo coado; o cheiro do alho e cebola fritos para temperar o feijão. Mamãe gostava quando eu preparava o feijão, dizia que com o meu tempero ficava mais gostoso. Mamãe era ótima cozinheira e para cada tipo de carne ela preparava um tempero diferente para poder combinar com o gosto mais forte ou mais suave do peixe, frango, carne de porco e de vaca. Aliás, dizemos carne de vaca aqui em São Paulo mas em Pernambuco dizemos carne de boi.
Eu acrescentava pimenta do reino e cominho ao alho e cebola fritos. O cheiro era maravilhoso. Às vezes eu abria os potes de café e de temperos só para sentir o cheiro bom e trazer de volta as memórias boas, tristes e engraçadas que marcaram minha infância e juventude. Hoje não tenho mais olfato, perdi a capacidade olfativa após as cirurgias. No começo foi difícil sentir o sabor dos alimentos, mas agora já estou habituada e a minha memória olfativa continua forte.
...
Cheiros, sabores e lembranças.
Minha avó Mãevelha na beira do fogão de lenha preparando os torrões de café que depois seriam socados do pilão. Como ela dizia, o café seria pisado até virar pó. Em Pernambuco temos outro modo de falar. É a marca de oralidade que cada região tem.
Eu prestava atenção em cada detalhe do trabalho da minha avó e ela me recompensava com torrões de café que eu devorava em segundos e pedia mais; mas ela dizia que não poderia me dar mais porque muito café ofende (mais uma marca de oralidade pernambucana).
O cheiro e o sabor do lambedor de tia Anália. Lambedor é um cozido de ervas, folhas, cascas de árvore e açúcar cristal. Depois de cozido tem-se um líquido espesso, esverdeado, doce, gosmento, cheiroso, e até gostoso. O lambedor era usado para tratar vários males que afligiam nossa frágil saúde no nosso forte, seco e belo sertão pernambucano. Além de curar os males, nos dava sustança. Eu observava tia Anália preparar o lambedor e ela colocava um pouco numa caneca e me dava. Eu adorava aquilo.
Já para os adultos era mais recomendada a garrafada. Servia para tudo; de problemas respiratórios a problemas renais, de dores nas juntas e dores de cabeça. Era um santo remédio. A garrafada era feita também com ervas, folhas e cascas de árvore. Colocava-se tudo isso numa garrafa e completava com cachaça de boa qualidade, a Pitú, muito conhecida nossa. Tampava-se bem e enterrada a garrafa por sete dias. Após esse período, desenterrava a garrafa e a garrafada estava pronta para o consumo.
O cheiro da garrafada era fortíssimo e me perguntava como é que a gente grande conseguia beber aquele líquido estranho.
O cheiro do cuscuz, o cheiro do leite fresco, do leite de coco que Mãevelha fazia: raspava o coco, punha um pouco de sal e água quente. Deixava descansar alguns minutos e depois espremia e coava. Na falta do leite de cabra minha avó fazia leite de coco pra mim.
O cheiro dos pães doces que o vendedor trazia numa cesta presa ao bagageiro da bicicleta.
Além do cheiro dos alimentos eu gostava do cheiro das pessoas, das coisas, da terra...
Adorava o cheiro de chuva, a tão bem vinda chuva naquele meu sertão pernambucano.
O cheiro de óleo Johnson nos cabelo de Mãevelha. Ela sempre passava o óleo nos cabelos recém lavados.
O cheiro dos cabelos de mamãe. Cheiro forte, assim como mamãe.
O cheiro do cigarro de palha feito com fumo de corda por papai.
O cheiro do bolo de araruta de meu avô José.
O cheiro leite condensado com abacaxi no pudinho de Natal que papai tanto gostava. Papai também gostava de sôvête  de mio verde (sorvete de milho verde).
São tantas memórias, tantos cheiros, tantas lembranças boas...São tantas emoções.
E as coisas antigas tinham um cheiro especial, melhor, diferente. Os sabores também eram mais intensos. O sabor e o cheiro das mangas maduras e doces, as melancias que depois se transformavam em bonecos esculpidos pelas habilidosas mãos de meu avô Paipreto.
Tem muita história...

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