quarta-feira, 27 de junho de 2012

Papai

                                                 


Papai orgulhava-se de ser pernambucano, palmeirense e macho. Exatamente nessa ordem.
Papai foi um homem bonito: cabelos escuros, pele clara e olhos verdes agateados. Papai era o Tom Cruise do Nordeste.
Papai era muito trabalhador, honesto, "inguinórante", teimoso, manhoso, cabra da peste.
Papai não era muito empreendedor, não era forte; dava um passo à frente dois para trás.
Mamãe era forte, titânica e empurrava papai para a frente.
Papai trabalhava duramente, levantava cedo, chegava sempre antes do horário, não gostava de chegar atrasado. Papai era agoniado e avexado, como dizia mamãe.
Papai era meio Gregor Samsa, personagem de Kafka no livro "A Metamorfose". Só trabalho, honestidade, cumprir horários, obedecer.
Papai nunca faltava ao trabalho, mesmo doente.
Papai temia deixar faltar o "de comer" em casa. Papai temia que os filhos passassem fome.
Uma vez papai ficou alguns dias em casa e eu estranhei ver meu pai tão trabalhador ali, dentro de casa. 
Papai tinha muitas dores de cabeça. Papai foi ao médico, depois ao hospital e finalmente voltou para ficar alguns dias em casa para se recuperar e só então voltar ao trabalho. Papai trabalhava na Moóca, na Rua Taquari.
Papai havia feito uma pequena cirurgia na cabeça; foi para remover um tumor que se formara entre o cérebro e o crânio. Papai tinha um curativo em sua cabeça e o esparadrapo branco parecia um laço de fita que combinava com a calça social e com a camisa rosa clarinha. A moda do jeans ainda não era tão forte naquela época.
Papai agachado segurando uma toalha sobre a perna de Mãevelha. 
Mãevelha com uma veia estourada a sangrar através da pele fininha que se rasgara ao raspar na porta do banheiro.
Sangue.
Sangue na perna de minha avó e o curativo na cabeça do meu pai.
O vizinho vem ajudar e leva papai e Mãevelha à farmácia; voltam os dois com curativos limpos e novos.
Papai volta a trabalhar. Papai usa chapéu para proteger a cabeça do sereno e da friagem que "ofendiam" ainda mais suas dores de cabeça".
Papai não tinha culpa de ser fraco e medroso, papai fora criado sem mãe e por muitas madrastas que iam e vinham. Deixavam filhos e levavam pedaços de terra do meu avô José, que era homem de posses para a época.
Avó Mariana fora embora muito cedo e deixou papai pequeno, como apenas cinco anos.
Avô José, moreno bugre de belos e tristes olhos verdes era ainda jovem, bonitão e sedutor e encontrava facilmente pretendentes que muito queriam saber de seus bens e pouco queriam saber de seus filhos e dele mesmo.
Foram criados um cuidando do outro.
Hoje sonhei com papai e ele conversava e sorria. De repente alguém diz que papai morreu. Como?! Papai já morreu! São quase dois anos! Oxe!
Uma dor e uma tristeza imensa me invadem; acordei chorando.
Saudades.
Meu Deus, que papai e mamãe tenham paz, saúde, alegria e sossego; já trabalharam e sofreram demais quando estavam por aqui.
Acredito que papai estava em tratamento e agora que está melhor, passou para um outro lugar mais elevado. Papai estava tão fraquinho quando foi embora.
Meu Deus, olhai por nós. Olhai por papai, mamãe e por todos nós aqui.
Que sejamos felizes, que tenhamos paz, saúde, alegria.
Amém.


                                    

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