domingo, 15 de julho de 2012

Pedras

                                            


Sexta-feira que passou fui à cabeleireira para cortar meu cabelo bandido: ou está preso ou está armado.
Enquanto aguardava, fui observada, analisada e estranhada pelas pessoas que entravam e saíam do local. A filha da cabeleireira (palavra difícil) disse: "Meu irmão pensou que você era homem". Uma senhora entra escandalosamente, gesticulando e ignorando a todos que estavam lá: "O fulana, tu seca meu cabelo?", mas quando me viu fez cara de susto e mudou de ideia: "Não precisa não, meu cabelo seca sozinho".
Estou cansada de ouvir isso. Estou cansada de ser objeto de olhares, estranhamentos e o cacete!
Estou cansada de me olhar no espelho procurando pelos supostos traços masculinos e, honestamente, não vejo nada demais; apenas minha cara grande, branca e invocada.
Detesto ser encarada e medida de baixo a cima; se quiser perguntar, pergunta, $#%@#! mas não fica me olhando! 
Bom...
Eu fiquei na minha e ouvia a conversa da mulherada enquanto a cabeleireira trabalhava na minha juba rebelde; foram vários os assuntos tratados:
"Olhe, tu sabia que fulana pegou meu ferro e meu liquidificador emprestados e não devolveu ainda? Ela estragou meu ferro e eu tive que comprar outro; comprei umas marcas que não prestaram não. Olhe, se tu for comprar ferro, só compre 'béquidéqui' (Black&Decker)".
Falaram das vizinhas que não arrumam a casa, das filhas das vizinhas que ficam de conversa pelas ruas da comunidade, falaram de viagens, de preços, do tempo...
Terminado o serviço, paguei e deixei o local com as matracas falantes e fui à lojinha do meu irmão Fubá. Comprei os últimos pães que tinha e conversava com minha irmã Renata quando entram dois caminhoneiros gaúchos: "Tu tens pão?".
Eu disse: "Comprei os dez últimos, mas se você quiser, podemos dividir. Quantos você quer?"
Dividi os pães com os gaúchos e ainda conversei um bocadinho com eles, adoro o sotaque sulista. 
Subi até a casa do meu irmão e dali a pouco chegaram minhas irmãs Rosi e Lila com a família. Comemos pizza, contamos causos, rimos.
Lila levou a pequena Giovanna de cabelos cacheados e a bebezinha Yasmim e enquanto isso Rafaela se lambuzava com um chocolate. Preta, mãe de Rafaela de nove meses, segura Yasmim de um mês e diz: "Ai que saudade de quando a Rafa era pequena".
Hora de ir embora. 
Caminhamos até nossos carros e na rua encontro um casal de alunos que me fazem a mesma pergunta: "Quando a senhora volta?"
Fiquei feliz pelo carinho e pelo desejo e interesse de minha volta; já encontrei alunos que me disseram: "Volta logo, professora, pelo amor de Deus! Não aguentamos mais a professora fulana, ela é muito chata!".
Voltei para casa mais aliviada, como se um bálsamo fosse passado sobre ferida aberta.
Nem tudo pode ser cem por cento bom ou cem por cento ruim. Temos dias bons, outros nem tanto.
Alguns dias as pedras no caminho são mais fáceis de tirar, outros dias não.
E assim a vida prossegue.
Minha vida de acromegálica.
É isso.


                                            No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drummond de Andrade

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