quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Desassossego

                                                


É assim que tenho me sentido, num grande desassossego.
Um turbilhão de dúvidas, temores e alguma melancolia.
Centenas de pensamentos invadem minha cabeça, que dói e que não me deixa dormir.
Tem tanta coisa presa aqui dentro, tanta coisa querendo ser dita, mostrada, libertada. 
Eu tinha tanto ânimo, tanto pique, tanta vontade, mas não sei onde foram parar. 
Tenho me comunicado com pessoas de várias partes do mundo e que enfrentam o mesmo problema, a Acromegalia, e elas falam das mesmas angústias, temores, melancolia...
Somos apenas separados pela geografia e pelo idioma, mas estamos todos juntos na mesma batalha.
Sei de gente que "pirou" e é triste isso. Pessoas produtivas transformam-se em seres inertes, sem vontade e sem iniciativa.
Alguns podem dizer simplesmente que trata-se apenas de preguiça, mas não é.  Nem eu nem as pessoas acromegálicas e angustiadas sabemos dizer o que é.  É essa coisa que nos rouba a vida, a vontade de viver, de fazer, de ser.
Alguns também podem dizer que trata-se de depressão; não sei, pode ser.
Alguns também podem dizer que é frescura e que depressão é doença de rico. Não, não é.
Surpreende-me a mim mesma essa coragem de falar/escrever o que acabei de falar/escrever. Eu que sempre fui tão fechada em mim. Falar pra quem? Quem iria ouvir? E se ouvisse, que palavras usaria para me responder? Mais críticas, mais verdades verdadeiras de pessoas donas da verdade? 
Não. 
Basta-me.
Mas me conforta o fato de saber que existem pessoas como eu e que talvez minhas palavras sirvam para alguma coisa, algum alívio.
Sou melhor com palavras escritas; nunca me dei bem com palavras ditas. Sou quase sempre mal entendida, mal interpretada. 
Algumas vezes o receio de não ser compreendida cala minha voz e a tranco dentro de mim.  
É melhor assim, acho eu. Já bastam as porradas que a vida me deu.


Poema em linha reta - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa
                                                

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