terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

R&R

                                             


Era uma fábrica de tintas.
O cheiro de tinta e de produtos químicos era fortíssimo, podíamos senti-lo do outro lado da rua.
Minha avó Mãevelha e eu íamos buscar água na R&R. Outros moradores do bairro também.
Eu ficava do outro lado da calçada enquanto Mãevelha entrava pelo portão da fábrica e voltava com baldes e outros recipientes cheios de água. O motivo de eu ficar do outro lado da calçada era devido ao forte cheiro químico que vinha da fábrica e o guarda não me deixava entrar por eu ser criança e o cheiro poderia me fazer mal.
E fazia mesmo. Chegava em casa com a água e podia sentir o cheiro das tintas por muitas horas; mesmo tomando banho o cheiro estava lá. Às vezes dava dor de cabeça e Mãevelha fazia chá com casca de laranja e limão e passava Vick Vaporub no meu rosto. 
Aliviava.
Muitas vezes íamos buscar água e tínhamos que esperar o sinal do guarda para podermos encher nossos vasilhames. É que o gerente não permitia essa distribuição gratuita do precioso líquido e o guarda fingia que obedecia suas ordens. Nós ficávamos dando voltas pela ruas próximas e Mãevelha deixava alguém vigiando e esperando pelo sinal do guarda; ouvíamos um assobio ou víamos um acenar de mãos e pronto, lá íamos em busca de nossa água.
Analisando bem minha história e a de minha família posso deduzir que perpetramos vários atos criminosos: mamãe, papai e Mãevelha "roubaram" chuchu, água, leite... Mas tudo em nome da sobrevivência.
Os anos se passaram...
Mãevelha partiu, o serviço de fornecimento de água foi regularizado, outras empresas se fixaram no bairro e a R&R fechou suas portas.
Quando eu fazia minhas caminhadas pelo bairro sempre passava em frente à R&R, fosse qual fosse minha rota. Eu andava pra caramba e tinha meus points favoritos: a igreja Santa Rita, a R&R, a escola Romão Gomes e uma casa azul onde mora um velhinho que lembra muito meu avô Paipreto.
Hoje eu não consigo andar tanto e por tanto tempo; minha mobilidade é reduzida devido aos parafusos em minha coluna e à artrose em meu joelho direito. 
A Acromegalia me roubou muita coisa.
Mas eu estou viva e celebro isso. Agradeço a Deus e ao Povo lá de Cima por estar viva.
Hoje fui ao supermercado do bairro e na volta passo em frente ao que foi a R&R. Hoje estão erigidos prédios de apartamentos que abrigarão famílias que não terão problemas com o fornecimento de água e nem com cheiro de tinta.


                                   

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