terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Empréstimo

                                      


Morávamos no barraco de madeira que ficava nos fundos da casa dos proprietários.
Havia outras casas no mesmo quintal; era uma espécie de condomínio particular. Todos pagavam aluguel ao proprietário que ainda mantinha a horrenda profissão de abater porcos, cabras e carneiros para serem vendidos na feira.
Além das casas havia no quintal os tanques de lavar roupa e uma bica d'água. Não havia água encanada. Havia também uma espécie de altar que ficava bem no meio do quintal.
Nesse altar havia uma estátua de mulher, algumas flores, copos e algumas notas de dinheiro.
Mamãe sempre parava para admirar aquela imagem e enquanto olhava, eu percebia que seus lábios mexiam, era como se mamãe conversasse com a estátua.
A dona da casa era seguidora das belíssimas religiões africanas e seus belos Orixás. 
Todas as manhãs, antes de saírem para o trabalho, papai e mamãe deixavam com Mãevelha o dinheiro do pão e do leite. Mas uma certa manhã, porém, mamãe e papai não tinham dinheiro e ficaríamos sem nosso café da manhã.
Mamãe ficou um longo tempo em pé olhando para os filhos ainda adormecidos e falou para Mãevelha que daria um jeito de arrumar o dinheiro para comprar o pão e o leite nosso de cada dia.
Mamãe saiu e passados alguns minutos volta com uma sacolinha com pães e leite, coloca tudo em cima da mesa, dá o troco para Mãevelha e diz que tem que ir logo, pois já está atrasada para o trabalho. Não há tempo para explicações.
Anoitece e mamãe volta do trabalho. Mamãe para em frente ao altar, conversa com a estátua da misteriosa mulher e coloca uma nota de dinheiro aos seus pés.
A dona da casa e Mãevelha observam tudo sem nada dizerem.
Terminada a "conversa", mamãe caminha para casa e é questionada por Mãevelha: "O Marlene, e tu perdesse o juízo, foi? Pois onde já se viu a pessoa conversar com istáuta?  E o que foi que tu botasse lá?"
Nesse ínterim a dona da casa se aproxima e mamãe aproveita a oportunidade para explicar tudo a ambas: "Hoje eu não tinha o dinheiro para o pão dos meu filhos. Passei várias vezes pelo altar e vi a nota de dinheiro nos pés da imagem; pensei em pegar mas fiquei com medo e com vergonha e fui embora. Mas no caminho lembrei que meus filhos acordariam com fome e não teriam o que comer, então voltei do caminho e peguei o dinheiro e disse para ela - a estátua - que não estava roubando, estava pegando emprestado; era para meus filhos e assim que pudesse eu devolveria o dinheiro dela".
Nunca soube quem era a mulher ou entidade representada na estátua, mas agradeço pela ajuda e pelo empréstimo.


                                           

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