terça-feira, 26 de junho de 2012

BuRRocracia

                                            


O Brasil é um país "burrocrata"; adora papéis, carimbos, assinaturas e afins.
Precisei da declaração de imposto de renda detalhada, mas só tinha a simplificada. Fui informada a procurar a Receita Federal que fica na Rua Isidro Tinoco no Tatuapé.
Eu nunca havia pedido uma segunda via de declaração de imposto de renda e naturalmente não sabia como proceder.
Vou ao local, retiro a senha e aguardo. Chega minha vez e a antipática, grosseira e mal humorada atendente pergunta o que desejo e eu digo; ela pega um pedaço de papel, anota algumas informações e fala rapidamente outras, não dava tempo para absorver tudo.
Eu pensei que tudo poderia ser feito ali mesmo: preencher formulários e pagar taxas, simples assim.
"Não, a senhora tem comprar o formulário DARF e pagar dez reais no banco e voltar aqui".
"Pensei que tudo seria feito aqui com vocês".
"Não!"
Fui à Praça Silvio Romero e numa banca de jornal comprei o tal formulário por sessenta centavos. Eu pensei que o formulário custava os dez reais mencionados pela antipática funcionária da Receita Federal e entreguei uma nota de vinte reais ao simpático atendente da banca: "A senhora não tem moedas? O formulário custa apenas sessenta centavos". E ele ainda me orientou em como proceder e disse que só poderia pagar os dez reais do DARF no Banco do Brasil. 
Saio da banca com o formulário em mãos e me dirijo ao Banco do Brasil que fica em frente à praça, na rua Tuiuti.
Pago, volto à Receita Federal, pego nova senha e aguardo; preencho o formulário enquanto isso.
Minha senha é chamada e outra menos antipática funcionária pede meus documentos e me dá mais um formulário para preencher, só que não tem muito espaço para tal e tive que usar o livro que sempre carrego comigo como apoio. Enquanto preencho, sou observada pela funcionária, por uma estagiária que estava treinando e por outras duas pessoas que estavam no guichê ao lado. Acho que elas não podiam preencher os formulários porque estavam muito ocupadas observando minha aparência acromegálica, só que uma delas tinha uma mancha vermelha que tomava metade do rosto (hemangioma)e mesmo assim me olhava como se eu fosse muito estranha. Preencho, entrego e ela me devolve meus documentos com os formulários e uma nova senha. Aguardo em outro local.
Minha senha é chamada e o atendimento fica no primeiro andar; me dirijo até a escada e escuto: "Senhora?"
Era o guardinha que faz segurança do local me chamando para ir de elevador, pois eu estava com minha bengala mágica e teria dificuldade para subir os degraus. O segurança avisa pelo rádio que me acompanhará e quando o elevador chega ao primeiro andar, já havia outro segurança me aguardando.
Sento-me na cadeira a outra mega-hiper-super antipática mal responde ao meu "boa tarde" e pega a papelada que eu trouxe. Depois de alguns segundos me deu mais papeis e disse "É só isso", agradeci e fui acompanhada pelo segurança.
Achei os seguranças muito mas simpáticos que as mal educadas atendentes da Receita Federal.
É praxe, público e notório o fato de servidores/funcionários públicos serem mal educados, grossos, estúpidos, preguiçosos, folgados etc, mas eu também sou funcionária pública e procuro tratar todos com o mesmo respeito com que quero ser tratada.
Bom, resolvi o problema e andei mais do que "tiradô de isprito (tirador de espírito)", como dizia mamãe.
Parei na entrada do prédio e li um enorme cartaz que dizia "Ouvidoria. Queremos saber o que você tem a dizer sobre nosso atendimento para melhorá-lo ainda mais".
É, precisa mesmo! E para começar, umas aulas de boas maneiras para as funcionárias que atendem as pessoas. 
Será que só porque trabalham na Receita Federal se julgam muita coisa?
Ouvidoria: 0800 702 11 11
Site: http://portal.ouvidoria.fazenda.gov.br
É isso.






                           

Frio

                                          


Faz muito frio aqui em São Paulo e na região sul do país.
Hoje o sol até que deu o ar de sua graça dourada, mas ontem o dia estava cinzento e com muita neblina.
Estava lembrando de uma tarde fria, cinzenta e chuvosa quando me preparava para ir à escola e do portão vi mamãe vindo lá no fim da rua acompanhada de uma prima nossa. Fiquei tão feliz!
"A senhora não vai trabalhar hoje de tarde, mãe?"
"Não filha, a patroa disse que hoje eu não precisava ir"
Mamãe trabalhava das seis da manhã às duas da tarde em um firma e depois ia para as casas de família e trabalhava o resto do dia.
"Então posso faltar na escola hoje, mãe?"
"Mas você não vai perder as lições, filha?"
"Depois eu copio de alguém".
Não era sempre que tínhamos mamãe em casa todos os dias, era só nos corridos finais de semana e era aquela correria para irmos à feira, ao supermercado, lavar roupas, limpar a casa... Mamãe estava sempre ocupada e estressada e vivia nos pedindo café e cigarro enquanto encarava o velho tanque áspero de cimento com aquela montanha de roupa para ser lavada.
Era tanta roupa, meu Deus, mas quando íamos para a escola usávamos o uniforme que não "emparava" o frio, como diziam mamãe e Mãevelha.  Era um tecido muito fininho e gelado e esfregávamos as mãos para gerar algum calor. As unhas e os lábios ficavam roxos de frio, era como se tivéssemos usado batom ou esmalte roxos.
Lembro que eu tinha uma cacharréu (eu falava caixa régua) de três cores que me lembrava um sorvete napolitano: branco, rosa e marrom. Era fininha e não aquecia muito e eu puxava as pontas das mangas para cobrir meus magros e longos braços. 
Uma vez a patroa de mamãe deu várias peças de roupas e calçados e na época estava na moda aquelas horrendas sandálias plataforma. Aquilo pode ser usado como arma!
Bom, entre as roupas havia um blazer a que chamávamos de paletó e era forrado e bem quentinho. Não tive dúvidas, vesti o blazer e calcei as sandálias plataforma e fui para a escola. A molecada me zuou, claro: "Aonde você vai com esse tamancão? Você veio pra escola com o paletó do seu pai?!"
Não vou colocar aqui o que eu respondi para a molecada.
No outro dia fui para a escola com meu Conga surradinho e com minha cacharréu napolitana; deixei o paletó e a sandália plataforma para doações.


                                            

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Papa Figo

                                          


Quando éramos crianças ouvíamos nossos pais, avós, familiares e conhecidos dizerem que se não obedecêssemos, o Papa Figo nos pegaria.
Mas quem era esse Papa Figo?
Era um homem que comia o figo (fígado) das pessoas.
Mas que fruta era essa? Só conhecíamos as frutas típicas de nossa região: pinha, jaca, pitomba, seriguela, umbu, tamarindo, laranja...
O Papa Figo não gosta de frutas, ele só come figo.
Demoramos a entender que as pessoas diziam figo tanto para a fruta como para a víscera fígado.
Mas com tantas frutas boas e o Papa Figo vai comer fígado?! Que nojo!
O Papa Figo seria o que chamam de Bicho Papão ou o Homem do Saco.
É isso.


                                    

Prédios e Apartamentos

                                              


Há um grande boom imobiliário no setor de prédios de apartamentos e até bairros esquecidos como o meu se transformaram e valorizaram no mercado. 
Os preços dos apartamentos aumentaram, praticamente dobraram nos últimos dois anos.
De repente descobriram que meu bairro, além de caminhões e transportadoras, tem fácil acesso à Marginal Tietê, Via Dutra, Fernão Dias, Ayrton Senna...
Bairros como Tatuapé, principalmente o Jardim Anália Franco que é o Morumbi da ZL, valorizaram demais e só os novos ricos da ZL podem comprar.
Um dia, na hora da saída, um coleguinha me chamou, apontou para um prédio do outro lado da Marginal Tietê e disse: "Sabia que a professora mora naquele prédio?"
"É mesmo? Nossa! Então ela deve ser rica, né? Porque só ricos podem morar em apartamentos".
Assistia as novelas e achava chique, bonito e até meio triste morar em apartamento. Lembro de uma cena de uma novela onde a filha rebelde deixa a casa dos pais e vai morar sozinha em um apartamento; achei aquilo tão estranho, tão triste e tão diferente da minha realidade. Morar longe de casa, dos pais, dos irmãos, da família?! Eu julgava essas pessoas, mesmo que personagens de novela, frias, insensíveis e até más.
Hoje eu entendo melhor.
Não sou muito fã de apartamento, prefiro casa com quintal e jardim onde possa cultivar minhas adoradas plantas e onde meus amados bichos tenham espaço para correr pra lá e pra cá.
Mas a tendência atual é a verticalização dos bairros e das cidades.
A segurança é melhor, penso eu, em apartamento, principalmente para quem mora só. 
Mas me preocupa também o grande número de pessoas utilizando mais água, luz, gás; mais trânsito, mais poluição no mesmo espaço onde antes moravam famílias em casas simples com quintal e jardim.
É isso.


                                   

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Bancos

                                   


Já disse que detesto ir a bancos.
Vou porque é o jeito, mas se eu pudesse eu evitaria totalmente: filas, guardinhas mal encarados que se acham de muita "otoridade", informações desencontradas para nossas indagações sobre serviços solicitados, funcionárias metidinhas se achando muito importantes, lindas, sexies e poderosas por estarem sentadas atrás de um caixa ou uma mesa do banco.
Fui ao Bradesco do Parque Novo Mundo para cadastrar nova senha do novo cartão que chegou; entrei no recinto e perguntei onde e como poderia fazer o tal serviço e me foram dadas diferentes respostas e opções. Claro que ouvi o clássico "tem que estar aguardando".
Quando essa praga de gerundismo vai cair em desuso?
Bom...
Sentei-me na cadeira e dois rapazes me perguntaram se eu era a próxima; não havia senha ou outra forma de organização que nos orientasse, ficamos na base da educação e de quem chegou primeiro.
Estamos aguardando, aguardando, aguardando... 
Cansei, me levantei e fui até a última mesa da fileira e perguntei tudo de novo e fui orientada a voltar a esperar onde eu estava, eu seria a próxima. Tá.
Dali a pouco se aproxima um rapaz com uma papelada nas mãos, cumprimenta a funcionária e senta-se confortavelmente na cadeira para ser atendido pela moça com cabelos tão oxigenados que fariam a Xuxa parecer uma cabocla.
Os rapazes que aguardavam comigo se entreolharam e reclamaram entre eles; eu me levantei e fui à mesa da funcionária oxigenada a extremo: "Desculpe interromper, mas acredito que há uma ordem de chegada, eu e aqueles rapazes chegamos aqui primeiro".
Sou perguntada mais uma vez sobre o serviço que preciso e sou orientada mais uma vez a ir para outro local de atendimento e a loira de farmácia ignora os rapazes que estavam esperando há um tempão e atende o sorridente e simpático rapaz que chegou depois de nós.
Fui ao bendito guichê e falo tudo de novo e a funcionária diz que posso voltar pra casa e fazer tudo pelo telefone. Me arretei: "Não, minha filha! Leia o impresso, aqui diz que eu devo ir até a agência mais próxima e cadastrar uma nova senha".
A funcionária insistiu dizendo que eu poderia fazer tudo por telefone e peguei o bendito impresso e disse: "Leia!".
A senha finalmente foi criada. Ufa!
Fui à Caixa da Vila Maria e demorei mais na fila para pegar a bendita da senha de atendimento do que para o atendimento propriamente dito. A mocinha que tinha a árdua tarefa de perguntar que serviços iríamos "estar utilizando" e apertar o botão para imprimir a senha estava toda atrapalhada. Muito trabalhoso!
Ela ia pra lá e pra cá e não resolvia nada e eu me impacientei e disse: "Eu só quero uma senha para abertura de conta, pelo amor de Deus!". Eu estava com a bengala e mesmo assim ela me deu senha comum, devolvi e pedi senha especial. Aguardo ser chamada e fico observando as pessoas, principalmente as funcionárias do banco e todas seguem um padrão que parece combinado por todo o território nacional: cabelos oxigenados e esticados, salto alto, maquiagem carregada e as malditas calças legging! Parecem Barbies tupiniquins.
Meu, calça legging não é uma coisa de Deus. Não pode ser! Isso é criação do inimigo!
Bom, fui atendida e deixei o local e tanto num banco como no outro e em todo e qualquer lugar que eu vá, sou objeto de admiração, olhares, cochichos, cutucadinhas disfarçadas e outros gestos mal disfarçados; tudo para olharem para mim e se espantarem com minha aparência acromegálica.
Dá vontade de perguntar se essas pessoas não têm espelho em casa.
Mas é isso aí.
Detesto bancos, detesto comerciais de bancos onde tudo é muito fácil e bonitinho e detesto mais ainda o preconceito e a ignorância das pessoas.




                                    



quinta-feira, 21 de junho de 2012

Coração

                                           

Corinthians X Santos pelas semi finais da Libertadores. Haja coração, minha Nossa Senhora!
Minha irmã Rosi disse que sou uma Corinthiana fajuta, que não conheço os jogadores, que não sei a escalação do time, que não acompanho os jogos...
Mas não é isso não, é para proteger meu coração.
É muita emoção, agonia, sofrimento, desespero, paixão. Haja coração mesmo! E o meu não é lá grande coisa, já passou por uma parada cardíaca-respiratória e está cheio de colesterol, isso sem contar os sentimentos, as mágoas, as coisas boas, as não tão boas que ele tem que aguentar. Mas meu coração é forte, graças a Deus.
Uma vez uma colega da faculdade me perguntou: "Como alguém pode-se dizer maloqueiro, sofredor e dar graças a Deus por isso?! Como alguém inteligente como você pode torcer pro Corinthians?"
"Só quem é Curinthia sabe. É paixão, devoção, é uma agonia..."
E não poderia ser diferente, quando chegamos ao nosso Santo São Paulo fomos morar na ZL e depois nos mudamos para uma rua bem atrás do Sport Clube Corinthians Paulista, do outro da Marginal Tietê. Mamãe olhava para o céu e dizia: "Vamos tirar a roupa do varal que a chuva tá lá no Corinthians". Sou mulher, nordestina, professora, acromegálica, maloqueira e sofredora, graças a Deus! Só podia ser Corinthians. Ainda flertei com o São Paulo Futebol Clube quando aqui cheguei, pois pensei que deveria torcer para o time que tem o mesmo nome da cidade que nos recebeu, mas não deu, a paixão foi e é mais forte: Vai Corinthians!
Neymar fez o primeiro gol e eu me peguei com São Jorge Guerreiro e disse: "Ajuda nóis aí, mano!".
São Jorge ajudou. Graças a Deus.
Salve Jorge.

                                          

                                       

Botafogo

                                            


Seis horas da manhã; sou acordada com um grito: "ES - PE - TA - CU - LAR!!! Botafogo campeão!"
A princípio me assusto e me irrito pela maneira brusca com que fui despertada, $#@%!
As vozes aumentam em número e em volume: "Botafogo, meu? Você tá errado, foi o Corinthians, mano"
"Não, você tá errado! O Corinthians não ganhou, só empatou... Botafogo!"
E no turbilhão de vozes ouviam-se "porcos", "bambis", "peixes", "gambás" e outros animais representantes dos times de futebol brasileiro, todos a defender e a exaltar as glórias de seu time e a colocar defeitos nos times dos outros. 
Ao som das vozes somam-se os barulhos dos motores dos caminhões e o apito " pi pi pi" chatinho que anuncia a marcha à ré.
Alguém diz: "Bora trabaiá, gente! Tá ha hora! Oxe!"
"ES - PE - TA - CU - LAR!  Botafogo campeão!"


                                  
                                       

terça-feira, 19 de junho de 2012

Aquário

Baiacu
                                     
Fui ao Pet Center da Marginal Tietê.
Tarde chuvosa, cinzenta, melancólica; diferente das ensolaradas e frias tardes outonais. Mas antes da chuva havia uma bela luminosidade onírica.
Observo muito e me encanto com as mudanças e as nuances da Natureza e isso para mim é Deus, como todo respeito à todas as religiões, fés, crenças etc...
Acredito que Deus fala por meio de Suas criações e não precisamos, na minha opinião, de templos de pedra, cimento, cal, adornos e luxo para encontramos o Criador, Ele está em tudo, basta nos despir de nossas certezas absolutas, de nossa arrogância, petulância e outras manias erradas e negativas para vê-lo, senti-lo, ouvi-lo. Somos parte de um todo, estamos interligados, conectados. 
Não pretendo aqui catequizar ou converter ninguém, já fizeram isso séculos atrás e continuam fazendo.
Bom...
Falei tudo isso como uma introdução para o fato ocorrido hoje; mais um causo da minha mente e espírito maluquetes.
Foi assim: Fui comprar ração para a gataida e encontrei o Pet Center mais vazio e fácil de circular por entre seus corredores; fins de semana fica difícil.
Parei em frente ao aquário e observei os diversos peixes coloridos e o preguiçoso tubarão que está sempre deitado a cochilar. Um simpático baiacu dava voltas pelo aquário e parava perto de mim, parecia que me observava. Eu dei uma volta em torno do aquário e o baiacu fez o mesmo; parei e ele parou, fiz um carinho pelo vidro e ele ficou parado exatamente onde estava minha mão a "acariciá-lo". Ele parecia sorrir.
Ficamos um tempo assim: eu e o baiacu. Nos olhamos, sorrimos, conversamos, nos  acariciamos. Um enorme sentimento de comunhão, de união, de fazer parte de algo, de um Todo. 
A pessoa que me acompanhava disse que eu devia estar maluca, pois onde já se viu falar com peixes?! Eles não sabem de nada! São apenas animais com cérebro pequeno e que não sabem do que eu estou falando!
Pode ser.
Enquanto trocava uma ideia com o baiacu simpático, lembrei de um trecho do livro "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury, falecido há algumas semanas, e que diz mais ou menos o seguinte: Os livros serão queimados por serem uma ameaça à humanidade. As pessoas devem sair do trabalho e ir direto para casa e vice versa; pessoas caminhando tranquilamente pelas ruas e apreciando o por do sol e a paisagem, serão presas e multadas. Os carros serão extremamente velozes, que é exatamente para ninguém parar para apreciar o que quer que seja; sentimentos não existirão e as pessoas não conhecerão a palavra felicidade e não saberão seu significado. Telões enormes em casa para confirmar a presença do poder político dominante por meio de novelas, jogos e outras programações cuidadosamente preparadas pelo governo para garantir seu domínio e a segurança nacional.
Acho que já vivemos algumas dessas tiranias: temos lixo na TV e na música que encanta milhões; temos carros velozes que honestamente não sei para que servem se não passam da segunda marcha quando a Marginal Tietê está congestionada, o que é praticamente todos os dias!
Acho que as pessoas estão mais distantes, estão conectadas à uma realidade virtual usando inúmeras parafernálias internéticas-cibernéticas e na verdade a realidade de suas vidas não é tão linda e glamourosa como a feliz e efêmera realidade virtual.
Sim, eu faço parte da modernidade, mas prefiro o contato real com a vida real, com gente real e até mesmo bater um papo agradável e real com um simpático baiacu.
Ah, sim...Eu já disse que sou normal?
É isso.


Foto tirada da varanda da casa do meu irmão; belo pôr do sol
                                

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Chororô

                                        


Preta preparava a mamadeira de Rafaela e deixou a lata de leite perto da pequena que não hesitou em esticar a mãozinha e pegar a lata.
Preta tomou a lata de Rafaela e ao tirar, cortou o dedinho dela. 
Foi um desespero geral acompanhado de um chororô carregado de culpa e Fubá ainda deu uma bronca em Preta. 
Foi feito um curativo no dedinho e a pequena terrível achava tudo muito divertido.
Disse aos pais corujas que é normal e que preparem-se para tombos, cortes, manchas roxas e outras artes que serão feitas por Rafaela, se Deus quiser.
Rafaela é esperta, linda, inteligente, braba e muito "térrivi", como diria papai.
É minha sobrinha.




                                  

Pão de Ló & Goiabada

                                      


O pão de ló é um bolo fofo e esponjoso e que não leva leite nem margarina ou manteiga.
A receita é muito simples:
4 a 5 ovos
150g de açúcar
170g de farinha de trigo
fermento em pó (opcional)
Bate-se as claras em ponto de neve, adiciona-se as gemas, o açúcar e a farinha. Assar em forma untada e enfarinhada.
Mamãe fazia pães de ló e os assava em formas improvisadas de latas de sardinha e goiabada. Assava no forno à lenha e ficavam fofinhos, cheirosos e deliciosos.
Enquanto mamãe prepara os pães de ló, Mãevelha preparava seu forte, cheiroso e delicioso café e meu Paipreto, Maximino e eu aguardávamos impacientes para saborear tudo.
Na nossa época goiabada em lata era um luxo e as latas eram lavadas depois de vazias e serviam como utensílios domésticos. Eu adora comer na lata.
Gostava também do doce "Marrom Glacê" e o achava menos doce e enjoativo que a goiabada.
É isso.


                               

domingo, 17 de junho de 2012

Dias Melhores Virão

                                         


Aguardava.
Tomava um café expresso forte e quente, do jeito que eu gosto, enquanto aguardava. No alto falante perto de mim tocavam insuportáveis músicas de balada: "tum tum, pow, pow, putz, putz..." É a mesma melodia monótona, chata e repetitiva e que faz doer a cabeça.
Comentei com a pessoa que me atendia: "Realmente, esse tipo de música vem bem a calhar para o momento, local e razão". Mais alguns minutos e começou a tocar músicas dos anos 80 e 90, muito melhor.
Depois tocaram músicas dos anos 60, Bossa Nova, MPB e finalizaram com Heavy Metal, tudo a ver!
A espera foi grande e por isso pude ouvir as variedade musicais e reclamar e criticar, claro.
Tocou "Primeiros Erros" de Kiko Zambianchi e "Lanterna dos Afogados" dos Paralamas.
Mamãe gostava de "Primeiros Erros". Saudades.
"Lanterna dos Afogados" me lembra mamãe em um momento de muita dor, desespero, revolta e tristeza. Era o sábado, cinco de maio e recebo o telefonema de minha irmã Rosi dizendo que mamãe havia morrido. Ligo para a agência de turismo para comprar uma passagem para São Paulo e enquanto aguardo, sou colocada na espera e na rádio toca "Lanterna dos Afogados". Ouvi a música quase inteira e desde esse dia, sempre que a ouço, lembro-me de mamãe e daquele cinco de maio de 2001.
Fui tomada por fortes emoções e as lágrimas foram mais fortes e teimosas que eu; pude sentir a presença de mamãe perto de mim.
Meu Deus, que possa eu um dia chorar de alegria.
Possa mamãe descansar em paz, de verdade.
Que dias melhores venham.
Estão a caminho, mamãe trouxe alguns deles com ela hoje.
Amém.


                                          

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Esmalte e Calça Comprida

                                        


Mamãe sempre foi uma mulher moderna e avançada para sua época.
Mamãe era o "homem" da casa, tanto da casa de Paipreto quanto da nossa casa.
Mamãe tomava as decisões, agia, decidia e papai só reclamava, arrumava desculpas, via defeito em tudo.
Mamãe era solteira e trabalhava na escola municipal de Poços, Cumaru.
Mamãe era vaidosa e adorava pintar as unhas de vermelho, fazer sobrancelha e manter os cabelos curtos; gostava também de usar calças compridas e isso tudo em uma época em que moças e senhoras de boa família tinham cabelo compridos, unhas curtas e sem esmalte e usavam saias ou vestidos do joelho pra baixo.
Mulheres muito modernas para a época eram tidas como prostitutas e chamadas de "rapariga".
Mamãe já estava casada e tinha três filhos, eu e meus irmãos Naldão e Rogério, e um dia voltou para casa vestindo calças compridas e com as unhas pintadas de vermelho; Paipreto não gostou nenhum um pouco.
Mamãe tentou argumentar, disse que não era "rapariga" e sim uma mãe de família e o que faz a pessoa é sua atitude e não a roupa que usa, mas meu avô disse que essas "mudernage" era coisa de "mulher dama" e "quenga" e a filha dele fora muito bem criada e tinha um pai cabra macho com sangue no olho!
Mãevelha tentava ajudar mamãe e dizia: "O João, e o que é que tem demais, meu véio? Não tem precisão de tu botar tanto bistaque, tu não sabe que Marlene gostar de andar ajeitada, homi? Oxe!"
Mamãe conseguiu convencer Paipreto que não tinha problema nenhum em ser vaidosa e ela continuou com seus cabelos curtos, a sobrancelha feita e as unhas sempre pintadas de vermelho.
Vermelho era a cor favorita de mamãe.


                                         

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Xodó

                                             


"Que falta eu sinto de um bem
que falta me faz um xodó
mas como eu não tenho ninguém
eu levo a vida assim tão só..."


Meu Paipreto cantarolava essa música que tocava no inseparável rádio de pilha; era uma composição de Dominguinhos e Anastácia cantada por Gilberto Gil.
Mãvelha lavando roupas no quintal, meu Paipreto sentado no alpendre da casa ao mesmo tempo cantarolando e observando nossas artes, mamãe trabalhando e papai em "Sum Paulo".
Curiosamente, naquela época, homens que tocassem violão e/ou usassem camisas coloridas eram tidos como vagabundos, preguiçosos, malandros.
Tio Nelson gostava de cantar, tocar violão e usar camisas coloridas, tinha uma bela voz também. Mas Paipreto achava que isso não estava certo, não combinava com um homem adulto e pai de família como era o tio e além do mais, não pegaria bem para ele ter um filho malandro e ficar falado pela cidade.
Se Paipreto visse os jovens de hoje com cabelos espetados, calças justas, coloridas e o cofrinho de fora... Vixe! 
Eram outros tempos aqueles.
Tio Nelson cantava uma música de Caymmi que sua mãe, a tia Anália, adorava:


"Eu vou pra Maracangalha eu vou
eu vou de liforme branco eu vou
eu vou de chapéu de palha eu vou
eu vou convidar Anália eu vou
se Anália não quiser ir eu vou só
eu vou só sem Anália 
mas eu vou"


Mamãe gostava de uma música do cantor Evaldo Braga que hoje é tema do comercial do carro Renault Duster e era assim:


"Sorria meu bem, 
sorria,
você hoje chora
por alguém que nunca te amou..."


E o rádio e a boa música popular brasileira sempre presentes em nossas vidas. Era uma época simples em que não existiam Internet, Redes Sociais, e-mails, Ipod, celulares e toda essa parafernália cibernética que faz com que as pessoas tenham um milhão de amigos virtuais e vivam numa solidão real.
É isso.

                                    


                                      
                                    


                                          


                                       





quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ruas de São Paulo

São Paulo
                                             
Papai saía muito cedo para ir ao trabalho. Saía de madrugada e caminhava pelas ruas escuras do bairro de muitas chácaras até o ponto de ônibus.
Papai se despedia de mamãe e Mãevelha, que já estavam de pé preparando o café para quando nós acordássemos.
Lá pelas seis e meia mamãe saía para o trabalho que ficava perto de nossa casa.
Papai nos olhava enquanto dormíamos e fazia seus pedidos a Deus e a Padim Ciço do Juazeiro; pedia que ambos protegessem sua família, sua casa e o acompanhasse até o trabalho e o trouxesse de volta são e salvo para casa. Amém.
Papai sempre trazia um pacote de bolacha ou pão sovado. 
Papai falava sobre as ruas do bairro onde trabalhava e eu adorava ouvir e viajar na imaginação: Rua Taquari, igual ao nome da fazenda onde nasci; Rua dos Trilhos, e eu imaginava trens indo e vindo; Rua da Moóca, e eu me perguntava que nome era esse, Baixada do Glicério e eu me perguntava: "Por que baixada? E o que é Glicério?", Largo da Concórdia, Rangel Pestana, Rua do Gasômetro, Santa Cecília, Brás, Parque Dom Pedro, Vila Maria, Penha...
Eu dizia para mim mesma que um dia iria conhecer todas as ruas de São Paulo, principalmente as que papai tanto falava.
De todos bairros e ruas, gosto do charmoso e bucólico bairro da Penha, foi para lá que fomos quando nesse Santo São Paulo chegamos. Passamos pela longa Avenida Amador Bueno da Veiga, passamos pela Rua Itinguçu até chegarmos à casa do tio Manoel Gomes. O tio dizia que morava na Vila Ré, mas suas filhas diziam que era Jardim Popular. O que importa é que ambos ficam na região da Penha.
Quem sabe um dia eu não volte a morar na Penha?
Tomara meu Deus, tomara.