domingo, 20 de janeiro de 2013

Deus

                             


Era 2004 e nossas aulas do Curso de Letras iniciavam-se. Não conhecíamos ninguém, tudo e todos eram novos para nós.
Aos poucos a sala de aula fica cheia e ainda não temos amizades, apenas dizemos "Boa noite" quando chegamos.
Como boa CDF, sento-me nas primeiras carteiras e a turma do fundão instala-se no lugar de praxe para suas idiotices, para atrapalhar as aulas e a atenção de quem realmente quer estudar.
Um dia me arretei com a infantilidade estúpida de adultos que estavam ali para estudar e um dia ser professores,mas em vez disso, enchiam a paciência com suas tolices; me irritei e disse: "Vocês estão desperdiçando dinheiro! Vocês pagam mensalidade para não estudar?! Melhor vocês comprarem cestas básicas com esse dinheiro e ajudar a quem precisa!"
Pronto, virei a CDF chata da sala.
Os grupos e panelinhas se formam e no meu grupo de alunos mais sérios e dedicados estão minhas amigas Claudia, Marileide, Elisângela, Daniela e o maluco do Chico, que nos fazia rir com suas imitações dos professores. Era hilário.
Tenho saudades dessa época e de nossa turma de Guis, "Os Guinorantes", como nos chamava o  Chico.
Mas logo no início das aulas observo uma moça bonita que chora enquanto olha repetidas vezes para páginas com imagens e textos tirados de sites de pesquisa e vejo que trata-se de uma doença.
Eu não a conhecia e não sabia seu nome e fiquei com receio de perguntar porque ela chorava, mas tomei coragem e perguntei: "Desculpe, posso ver essas folhas?"
Ela me entregou e vi que se tratava de algo sério. Deixei que ela se acalmasse e tomasse a iniciativa de falar, eu não tinha coragem de perturbá-la em sua dor.
Ela disse que a irmã mais velha fora diagnosticada com câncer e estava no início do tratamento, as duas eram muito amigas e se davam muito bem.
Eu a confortei, disse que isso seria só uma prova pela qual a irmã dela passaria e sairia bem. Está vendo esses papeis? Tudo bobagem, sua irmã vai vencer essa batalha!
Nosso curso seguiu, a irmã teve melhoras e pioras e até engravidou de um menino lindo; chegou o fim do nosso curso e o stress e correria com estágios e TCC (trabalho de conclusão de curso). Ela engravidou e eu a ajudei com o seu TCC.
Nos formamos e seguimos nossas vidas, mas sempre mantendo contato por telefone ou por redes sociais.
Em 2009 fiz a fatídica cirurgia de remoção de adenoma (tumor) de hipófise, não deu certo e fiquei em coma. Em alguns momentos eu abria os olhos, mas não falava e demorava a reconhecer as pessoas. Mas em um dia de visita vejo uma moça bonita ao lado do meu leito e aos poucos a reconheci pela voz. Ela me deu forças, me animou, perguntou se eu me lembrava da irmã e disse que eu também sairia dessa como ela.  Minha amiga e colega de faculdade saiu da UTI chorando.
Recebi mais uma visita sua e eu estava sentada em uma poltrona ao lado do leito, me recuperava aos poucos.
Saí desse sofrimento, graças a Deus e quando estava em casa, liguei para ela para agradecer e perguntei pela irmã; estava tudo bem.
Esses dias sonhei com essa amiga e ia escrever para ela, mas fiquei naquela de depois eu faço, não fiz.
Insônia braba, levanto e decido escrever, mas antes passo pelas redes sociais e vejo uma mensagem dela, dizendo que a irmã se fora, e me oferecendo alguns remédios para dor que a irmã usava.
Fiquei muito triste e preocupada. Duas mortes recentes logo no começo do ano. A americana Tanya Angus, acromegálica como eu e a irmã da minha amiga que lutara tanto por sua vida e saúde.
Tomei hoje mais uma dose do remédio que controla essa doença infame que me consome e me rouba a liberdade e às vezes até o gosto de viver.
Dias melhores virão, meu Deus.
Deus e o Povo lá de Cima, receba essas duas moças e que elas tenham paz.
Amém.

                                   

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