quarta-feira, 7 de março de 2012

Fazenda Taquari

São Lázaro, amigo dos cachorros e de todos os animais
                                        
Nasci na Fazenda Taquari.
Papai trabalhava cuidando do gado e mamãe lecionava para as pessoas da região.
Algumas vezes meu primo João vinha me buscar para ficar com Paipreto e Mãevelha e assim mamãe poderia trabalhar sossegada.
Outras vezes Paipreto e Mãevelha iam à nossa casa para ajudar mamãe a cuidar de mim. Eu era terrível.
Eles ajudavam também com os afazeres domésticos e a tratar das criações (animais) da fazenda.
Era uma infinidade de vacas, cavalos, porcos, cabras, carneiros, galinhas, patos, perus, guinés (galinhas d'Angola) e outros bichos.
Eu adorava tudo isso. Sempre fui louca por animais.
Mamãe e Mãevelha iam ao galinheiro para pegar os ovos das patas, peruas e galinhas; as penosas quando estão chocas fazem um barulho estranho. Mãevelha dizia: "Aquela galinha ali está choca, visse Marlene? Pois arrepara como ela canta bonito".
Mamãe e Maevelha pegavam os ovos e separavam aqueles que estavam galados; seriam chocados e em pouco tempo teríamos pintinhos, patinhos e peruzinhos fofinhos e bonitinhos.
Eu ouvia interessada a conversa de mamãe e de minha avó e queria entender como era possível pintinhos e patinhos saírem de dentro daqueles ovos. Por onde eles tinham entrado?
Para responder a essa intrigante questão, eu pegava alguns dos ovos deixados para chocar e  os quebrava. Eu queria saber o que tinha dentro.
A resposta era uma boa palmada e uma bronca: "Menina danada!"
Voltávamos para casa; eu chorando e mamãe e Mãevelha lamentando os ovos perdidos.
As duas ficavam entretidas na cozinha e não percebiam quando eu saia.
Procurariam por mim e iriam me encontrar no curral, no meio do gado, no meio das aves e perto do açude. 
Eu colocava capim na boca das vacas e dos bois, brincava com a água do bebedouro das cabras, tentava pegar pasta (uma planta aquática) na beira do açude, acariciava e brincava com os animais...
Quando davam por mim era uma correria só. Mamãe e Mãevelha chamavam por Paipreto e papai e todos saíam juntos à minha procura.
Meu avô José, pai de papai, vinha chegando para uma visita e já sabia onde me encontrar.
De braços abertos, ele me chamava, e eu sorria e corria feliz em sua direção.
Avô José me envolvia em um doce e longo abraço, me cobria de beijos e dizia: "Minha neta!".
Havia muito orgulho e muito amor em suas palavras.
Avô José me segurava em seus braços e caminhava em direção ao restante da família que estava preocupada comigo e com minhas artes.
Mamãe e Mãevelha com as mesmas ladainhas de sempre: "Vixe Nossa Senhora! Que menina mais impussivi, meu Deus! Já pensou se um boi ou um cavalo faz uma arte nessa danada!"
Mamãe ajudava com o sermão: "E já pensou, mamãe, se um boi ou uma cabra empurra essa danada pra dentro do açude? Quando fosse dar fé, ela já teria morrido afogada. Valha-me Deus!"
A ladainha prosseguia...
Eu estava segura, sã e salva nos braços do meu avô José que ria das minhas artes e dizia para meu Paipreto: "Elas não entendem que nossa neta gosta de estar perto da criação, não é João? Querem criar a bichinha trancada dentro de casa. Oxe! Onde já se viu uma coisa dessa?!"
Paipreto concordava com avô José e ambos me protegiam e me defendiam das injustas acusações de mamãe e Mãevelha. 
Vamos todos para a cozinha, o café estava pronto.
Mamãe me deu algumas bolachas "cremi cráqui" (cream cracker) e eu fui caminhando para o alpendre da fazenda. Eles tomavam café e debatiam sobre meu caso e minhas artes.
Tínhamos um cachorro velho; um belo cachorro de pelos longos e avermelhados. 
O cão estava velho e doente e babava muito; ficava quieto pelos cantos e não queria saber de comer nem beber.
Eu caminho em direção ao cachorro que estava deitado num canto; ele olha para mim e emite um rosnado fraco. Pensei que ele queria me dizer alguma coisa, que não estava se sentindo bem.
Havia uma aranha caranguejeira se aproximando de mim.
Um trabalhador da fazenda vê a cena e corre espantado chamando a todos da casa. Avô José mata a caranguejeira e a joga longe e enquanto isso eu me aproximo do cachorro e coloco uma bolacha em sua boca; pensei que a bolacha o faria se sentir melhor e seria uma forma de agradecimento. Ele me lança um olhar triste.
Mamãe vem correndo e me puxa para longe do cachorro. Mãevelha lava minhas mãos e joga as bolachas fora.
Papai, Paipreto e avô José levam o cachorro para outra parte da fazenda; vão sacrificá-lo.
Mas não foi necessário, graças a Deus. 
Mamãe e Mãevelha reiniciam a ladainha de sempre: "Mas será Deus impussivi? Essa menina parece que tem parte com São Lázaro! A sorte dada por Deus foi que o cachorro não mordeu ela. Será que essa menina vai um dia tomar juízo, meu Padim Ciço do Juazeiro?"
Sob as bençãos de Deus, São Lázaro, Padre Cícero do Juazeiro, meu Paipreto e meu avô José, não tomei juízo até hoje e nem vou tomar, se Deus quiser.
Continuo fazendo minhas artes no que se refere ao amor que tenho pelos animais.
Amor que nasceu comigo na Fazenda Taquari.


Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço do Juazeiro
                                         

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