sexta-feira, 30 de março de 2012

Mamãe

                                                  

Manhã de sábado 05 de maio de 2001.
Dormia.
Acordo com o telefone a tocar. Era minha irmã Rosi; eu ia fazer uma brincadeira perguntando se ela por acaso sabia que horas eram. Não deu tempo para brincar, assim que falo alô, minha irmã me diz: "Não sei como te dizer isso, mas mamãe morreu".
Meu mundo caiu, não tinha chão sob meus pés.
"Você tá louca?! Mamãe não morre! Mamãe é muito forte! Oxe!"
Como eu disse, era uma manhã de sábado e mamãe ia à feira mas sentiu-se mal no caminho, agarrou-se ao poste e caiu na calçada. 
Mamãe era muito conhecida no bairro e as pessoas que passavam estranharam mamãe naquelas condições; um conhecido se aproximou de mamãe disse: "Dona Marlene, a senhora tá bem? Parou pra descansar, foi? Tá muito calor, né?"
Mas mamãe não respondia e esse conhecido correu e foi chamar papai.
Mamãe é colocada na ambulância e é levada ao hospital do bairro e depois transferida para o Hospital do Mandaqui, lá teria mais recursos.
Com papai a acompanhá-la dentro da ambulância, mamãe dizia: "Não me deixe morrer não, meu véio".
Mamãe era hipertensa, fumou durante anos e era muito ativa, muito viva, muito esperta, comprava fiado e ainda pedia troco. Mamãe.
Mamãe teve um aneurisma (hemorragia cerebral) e foi levada às pressas para a sala de cirurgia.
Vamos todos visitar mamãe no hospital; filhos, vizinhos, conhecidos, familiares...Mamãe era muito querida. Mamãe ajudou a muita gente, nem que fosse com uma simples palavra de conforto: "Se avexe não, meu filho. Amanhã é outro dia e Deus não desampara os filhos Dele". Mamãe.
Estamos no hospital e aguardamos nossa vez de visitar mamãe. Combinamos que cada um ficaria no máximo cinco minutinhos com ela, pois havia muita gente querendo vê-la e o tempo de visita era curto.
Eu deixo para ir por último.
Meu irmão Fubá vai ver mamãe e volta chorando, abraça papai e diz: "Aquilo não é mamãe não, pai".
"Oxe, meu filho, fale assim não de sua mãe".
Chega minha vez de ir ver mamãe. Entro na U.T.I., olho à volta e não vejo mamãe, será que ela ficou boa e foi para o quarto? Pergunto à enfermeira por mamãe ela diz que é aquela senhora ali.
"Não, não é minha mãe"
"É sim, não é Marlene o nome dela?"
Mamãe estava inchada, roxa, com um corte na cabeça raspada, respirando por aparelhos, as unhas curtas e sem esmalte. Não, não era a minha mãe vaidosa que tinha orgulho de suas belas unhas pintadas sempre de vermelho, que cortava e tingia seus cabelos a cada quinze ou vinte dias. 
Olho para mamãe...Aqueles fios, os aparelhos com aquele som que até hoje me dá paúra, a máscara de oxigênio...
Mamãe estava coberta com um lençolzinho fino e perguntei: "Tá com frio, mãe?"
Puxo o lençol para cobrir melhor mamãe mas a enfermeira diz para eu não mexer com ela.  É minha mãe! Você não entende?!
"Você tem um cobertor? Minha mãe tá com frio"
"Pode deixar, assim que eu terminar de cuidar desse paciente eu arrumo um cobertor para sua mãe".
"Por favor".
Disfarço e tento inutilmente puxar o lençol para cobrir melhor mamãe; me despeço dela: "Tchau, mãe. Fica com Deus".
Mamãe já estava com Deus.
Segunda-feira, 07 de maio de 2001, mamãe tem uma pequena melhora e já começamos a fazer planos sobre como vamos cuidar dela.
Segunda-feira, 07 de maio de 2001; às 22 horas recebemos ligação do hospital: mamãe foi embora com Deus.
"Mas os médicos não disseram que ela tinha melhorado?! Cadê?!"
Meu cunhado Pepê vai com um dos meus irmãos para cuidar do enterro. Nesse país é burocracia para nascer e para morrer.
Às quatro horas da manhã vem o carro da funerária com o caixão e eu e minha irmã Renata descemos para o botequinho de mamãe onde seria o velório. Mamãe não gostava quando chamávamos de botequinho, ela dizia que era um mini restaurante.
Papai diz para tentarmos dormir e que pela manhã iríamos ver mamãe no seu mini restaurante e, além demais, seria perigoso sairmos à rua àquela hora da madrugada.
"Mamãe morreu, pai. E quem vai ser doido de querer mexer com a gente num momento como esse? Oxe!"
Eu e Renata ficamos olhando o pessoal da funerária abrir o carro, tirar as flores, as velas e por fim, o caixão. Eu ainda tinha esperança que só teriam flores e velas naquele carro e que logo logo mamãe surgiria apressada para fazer o café dos meninos que iam ao trabalho.
O caixão de mamãe é retirado e eu grito desesperadamente e dolorosamente: "Mãe! Mãe!"
Mas mamãe não respondeu. Mamãe dormia.
Amanhece o dia e as pessoas vão ao botequinho de mamãe e se surpreendem: "Quem morreu? Dona Marlene! Não, não pode ser! Dona Marlene era tão boa pra gente. Pode não!"
A rua foi tomada por uma multidão e a polícia foi até lá achando que havia alguma confusão. Mas não tinha confusão nenhuma, era apenas uma grande despedida para mamãe.
Terça-feira, 08 de maio de 2011, o enterro de mamãe.
Oficialmente mamãe faleceu na segunda-feira, 07 de maio de 2001, mas para mim mamãe morreu mesmo ao cair na rua naquele sábado, 05 de maio de 2001.
Esses mais recentes dias (evito dizer últimos) tenho sonhado muito com mamãe e como sempre, ela não para um minuto, está sempre pra lá e pra cá, trabalhando, fazendo alguma coisa em prol de seus filhos. Mamãe não descansa, não consegue, se avexa e se aperreia quando vê um de nós com problema. 
Permita Deus que um dia mamãe possa descansar de verdade.
E eu peço a Deus que mamãe tenha o que ela precise no lugar onde ela está. 
Que mamãe tenha paz, sossego, alegria e que prossiga a fazer e a trazer coisas boas vindas do seu coração de gente boa. Que assim seja, meu Deus.
Que mamãe não sinta frio, meu Deus.
Que Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Nossa Senhora Aparecida, São Severino do Ramo, Nossa Senhora do Carmo, Meu Padim Ciço do Juazeiro e todo o Povo lá de cima cuidem, protejam, iluminem minha mãe e não a deixe sentir frio.
Mamãe.
                
                                          


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