sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Amarração

                                              


As palavras sofrem variações de acordo com a cultura, a região, a época e uma série de outros fatores. Palavras que ora significavam uma coisa passam a significar outra quando falada por um outro grupo social.
A palavra "amarrar", por exemplo. No meu entendimento amarrar significa atar, prender.
Mas também é usada na gíria para dizer que se gosta muito de algo ou alguém: "Me amarro nos livros de Lima Barreto". "Me amarro num docinho de coco". Beleza?
Mas eis que passo pelas ruas, avenidas e Marginais e vejo sempre as mesmas placas e folhetos colados nos postes (num claro desrespeito à Lei Cidade Limpa). Leio: "Pai Fulano de Tal faz amarrações para o amor, trata de olhado, inveja, espinhela caída e resfriado".
"Mãe Fulana de Tal faz amarração para o amor".
"Vó Fulana de Tal faz amarração para o amor".
E o parentesco amarrador não para por aí. São pais, mãe e avós dedicados à árdua função de unir romanticamente as pessoas. Será? 
Se alguém já foi algum dia ao local de trabalho dessas pessoas e foram atendidas por elas certamente ouviu o mesmo diagnóstico: "Tem um loiro e um moreno na sua vida"; se você for mulher. "Tem uma loira e uma morena na sua vida"; se você for homem.
Até hoje não vi nenhum nem outro.
E as amarrações variam de preço de acordo com o poder aquisitivo do/a interessado/a, da necessidade romântica e do tamanho da corda; penso eu. Imagino alguém trazer uma pessoa amarrada por uma corda grande e forte e entregá-la sã e salva à pessoa que encomendou a amarração. Sã e salva nem tanto, imagino que venha com algumas marcas no corpo feitas pela corda fortemente amarrada. Nossa! Viajei.
Lembro uma vez do meu tio Manoel Soares, irmão de papai, que ficou curioso e quis consultar uma cartomante. Um colega de trabalho disse ao tio que ele deveria estar carregado e recomendou uma senhora muito boa que fazia ótimos e fortes trabalhos.
Tio Manoel comenta com papai e mamãe e lá vão o trio calafrio visitar essa distinta senhora. Mamãe e papai ficam espertos e percebem a picaretagem da dita cartomante. 
Ela pede dinheiro, bebida, cigarro, flores e um bode! Isso mesmo, um bode.
O valor de tudo isso equivaleria ao salário de uns dois meses de tio Manoel e ele ainda perguntou se poderia pagar em suaves prestações.
Mamãe e papai tentam abrir os olhos do tio, mas é difícil convencê-lo do contrário. Ele acredita no que disse a cartomante e se sente muito carregado; precisa mesmo fazer a sessão descarrego.
Voltam para casa e papai dá-lhe uma sermão, dessa vez útil. Mamãe também ajuda no discurso.
"Mané, tu não pode acreditar no que aquela mulher disse. Ela é pilantra, só quer o teu dinheiro. Tu não tá vendo? Pense nos teus filhos e na tua mulher que estão lá em Pernambuco. Eles precisam desse dinheiro...E cigarro, bebida e bode? Oxe! A gente fuma o cigarro, toma e bebida e assa o bode e come. É muito mais proveitoso!"
Papai e mamãe convenceram tio Manoel a não fazer  a sessão descarrego/limpeza/amarração.


                                                
                                            

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