quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Papai e os livros

                                            


Papai não havia estudado e era analfabeto quando conheceu mamãe.
Mamãe ensinou a papai as primeiras letras para ele poder "assinar o nome". Usar o polegar como assinatura era meio triste.
Papai aprende a unir as sílabas, formar algumas palavras; embora invertas as letras na maioria das vezes. Mas o importante é saber "ler uma carta, escrever outra e assinar o próprio nome", como ele sempre dizia.
Mamãe foi professora municipal de pequenas cidades do interior de Pernambuco. Era muito inteligente e hábil com as palavras. Mamãe comprava fiado e ainda pedia troco. Papai era muito bom com cálculos e números.
Ao chegarmos a São Paulo papai já trabalhava numa metalúrgica e mamãe vai trabalhar como faxineira em empresas e como diarista em casas de família. Mamãe sempre trazia para nós algum livro, revista, jornal ou até mesmo uma simples página arrancada de alguma revista; ela dizia que poderia ser útil para os filhos na escola.
Naqueles tempos era comum vendedores de livros passarem de casa em casa oferecendo coleções que seriam úteis na escola e para a vida toda.
Mamãe comprou uma pequena coleção com seis livros. Eu adorei. "Devorei" os livros em menos de uma semana. Queria mais. Mamãe prometera comprar mais livros assim que terminasse de pagar aquela primeira coleção.
Tudo isso sem papai saber. Ele dizia: "Pra quê gastar dinheiro com isso? Melhor comprar um quilo de carne. Pra quê tanto de livro? Oxe!"
Mamãe argumentava, dizia que era para nossa educação, para sermos alguém na vida e não termos que passar pelas dificuldades que eles passaram.
Papai vinha com seu típico sermão: "Isso é dinheiro jogado fora. Esses meninos crescem, vão se casar e nem vão lembrar que livro existe. E não carece tanto de conhecimento assim, basta escrever uma carta e ler outra que está bom demais. O importante é saber assinar o nome".
E o sermão prosseguia por horas e horas.
Graças a Deus que mamãe nunca ouvia as barbaridades de papai e continuou comprando livros por muito tempo. Mas tínhamos desenvolvido um tática para que papai não soubesse, não desconfiasse e nem visse que havíamos comprado mais livros: guardávamos debaixo da cama e aos poucos colocávamos na pequena estante de nossa sala.
Papai chegava do trabalho e olhava a estante à procura de provas "livrísticas"; se tivesse um livro novo ali...Nossa Senhora. Haja sermão.
Mamãe tentava despistar: "Oxe Dedé, e tu tá variando das ideia, é? Tu não tá vendo que esse livros já estavam aí faz é tempo.Tu tá doido pra arrumar confusão com essas crianças".
Ano passado papai partiu de encontro a mamãe e tivemos que sair da casa onde morávamos. Era muito grande para nós sem papai nem mamãe. 
Trouxe muitos e muitos dos meus livros para a nova residência, mas doei alguns muitos para a Casa André Luiz. Me cortou o coração me desfazer daqueles tão preciosos livros, mas me acalanta saber que serão úteis para outras pessoas que também amam os livros como eu.


                                             

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