domingo, 4 de dezembro de 2011

Amor: Bisavô Francisco & Bisavó Gina

                                               


Bisavô Francisco era negro.
Bisavô Francisco era rapazote quando Princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 13 de maio de 1888.
Negros e escravos libertos. E agora? O que fazer com a liberdade recém adquirida?
Bisavó Gina era branca.
Bisavô Francisco era negro, alto, magro, esguio e elegante. Usava roupas simples e chapéu coco. Era de temperamento calmo, tranquilo, doce e de sorriso farto e acalantador.
Gina, dona Maria Higinia Salles, era branca, pequena em estatura, cabelos loiros arruivados, pele claríssima, olhos claros. Era de temperamento forte, invocada, sem papas na língua.
Francisco e Gina se encontram e o amor acontece.
Simples assim?
Não.
Se hoje em dia, em pleno século XXI ainda há muito preconceito e intolerância, imagine em séculos passados.
Francisco e Gina não podem se falar, se ver; quem dirá namorar.
Inadmissível um negro sonhar em cortejar uma dama branca. "Isso é uma afronta, um absurdo. Esse negro não sabe seu lugar?". Essas eram as falas da época.
Mas Gina não pensa assim. Para Gina o amor não tem cor e um homem deve ser julgado por suas ações e não pela cor de sua pele.
Francisco e Gina fogem. Dois adolescentes de famílias diferentes, culturas diferentes e etnias diferentes. Não vou usar o termo "raça" diferente, pois como já falei aqui, para mim só existe uma raça, a RAÇA HUMANA.
Francisco e Gina fogem para longe por temerem a reação da família dela e das pessoas que não entendem que o amor não tem cor. 
Dessa união nascem vários filhos e minha avó Mãevelha é um deles.
Francisco e Gina agora têm filhos, netos e bisnetos.
Adorava ir à casa deles e saborear a salgadíssima farofa de ovo e farinha de mandioca preparada por minha bisavó e acompanhada por um belo xicrão de café.
Adorava brincar de fazer comidinha num fogão à lenha preparado por meu bisavô, que me observava brincar com as outras crianças da rua e com cuidados para eu não me queimar.
Pode soar estranho, mas era comum naqueles tempos.
Bisavó Gina trabalhava em sua horta, adorava suas plantinhas, seus temperos e suas ervas.  Tinha remédio pra tudo: chazinhos para aliviar azias, dores de cabeça, resfriados.
Suas ervas serviam tanto para remédio como para temperos. Acho que foi daí que mamãe aprendeu a temperar tão bem as carnes de vaca, porco, carneiro, aves e peixes.
Bisavó já estava velhinha, corcunda, encurvadinha, o que a deixava ainda mais pequenininha. Seus cabelos brancos e fofos como o algodão. Seus olhos azuis agora embaçados pelo peso dos anos. Seu cachimbo no canto da boca. Suas mãos frágeis e ao mesmo tempo fortes segurando a enxada para cuidar da terra.
Bisavó era pequena só em seu tamanho físico e assim como mamãe, era uma mulher forte, decidida, titânica. Tinha que ser muito mulher e muito forte para assumir um amor proibido e fugir com ele deixando para trás uma vida confortável e calando a boca de muito racista abestalhado.
Bisavó era terrível e não media suas palavras quando precisa dizer o que pensava. Procurava não magoar ou ofender ninguém, mas que ninguém a provocasse!
Minha adorada, branca, pequena, forte e terrível bisavó dizia:
"Quem faz de cachorro gente fica com o rabo no dente". 
"O amor quando é novo come do pão e do ovo, mas quando é velho come do má dos cachorro".
"Quem se abaixa demais o rabo aparece".
"Dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair". (véinha encrenqueira)
E a minha favorita: "Engulo um boi com as pontas e não me entalo, já um mosquito me entala".
Meu negro, alto, elegante e doce bisavô dizia: "Se avexe não, Gina. O que é ruim destrói-se por si mesmo".
E assim como meus amados bisavô Francisco e bisavó Gina, há outros amores de todas as cores nessa minha família abençoada por Deus e bonita por natureza. Graças a Deus.
E me pergunto: "Meu Deus, será que um dia as pessoas deixarão de ser cegas e verão que as coisas boas da vida não têm cor ou raça? Que quando morremos vamos para o mesmo lugar? Que não levamos nada dessa vida, a não ser a vida que vivemos?".
Meu bisavô Francisco teria uma resposta para essas perguntas:
"Deixe estar, minha minha filha. Não se aperreie com gente inguinórante, não". 


                                             





Um comentário:

  1. Adoro seu blog. O conheci pelo blog VAEs. Vc escreve muito bem em todos o sentidos, expressão, correção ao escrever e estilo. Vc é uma pessoa linda e um dia espero ver algo seu publicado (um livro de crônicas?!!).
    Beijos e fique com Deus.

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