segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Feijão de Corda

                                      


Quando eu era pequena eu já tinha grandes responsabilidades e algumas delas incluía cuidar dos irmãos menores, levá-los ao posto de saúde para as vacinas mensais e para pegar o leite em pó que era para crianças de zero a um ano de idade. 
O posto médico ficava na Vila Maria, mas para chegar lá é necessário tomar um ônibus. O percurso não é tão longo tanto quanto a demora do busão. Há anos que as pessoas do bairro reclamam da demora desse transporte público. 
Eu saía de manhã cedo, por volta das sete horas e ia munida de sacola com fralda, mamadeira, roupinhas e o pequeno e pesado irmão Fubá em um dos braços. Tinha que deixar um braço livre para poder pagar a passagem e para me equilibrar naquele chacoalhar violento e desigual que é uma viagem feita em ônibus de transporte público.
Chegava em casa muito cansada, mas com o irmão vacinado e a sacola ainda mais pesada com as seis latas de leite em pó de 500gramas cada uma. Isso foi em 1978 e eu tinha apenas 11 anos de idade. Depois de dar banho no pequeno irmão eu o colocava para dormir para poder ir ao mercado para fazer as compras do mês.
Na lista de compras havia o básico e obrigatório para a sobrevivência da família: arroz, feijão, farinha de mandioca, café, açúcar, sal, fubá e se sobrasse algum dinheiro, dava para comprar bolacha, suco em pó e goiabada em lata. Eu pedia a Deus que o dinheiro desse e sobrasse.
Vou à minha primeira compra de mês; tenho apenas 9 anos de idade (1976). Minha infância morreu  aos 6 anos de idade e no lugar dela veio a responsabilidade.
Faço as compras e vou rabiscando no papel os itens que já comprei e verificando o que falta comprar. Papai sempre fez a lista de compras e sempre calculava o valor aproximado. Papai era ótimo em cálculo.
Na lista havia o nome do produto ou alimento a ser comprado e a sua quantidade.
Era dez quilos de feijão. Era muito feijão. Mas a casa tinha muita gente para alimentar e às vezes as compras não duravam até o outro mês, tínhamos que comprar de "quilinho" nos botecos e mercadinhos do bairro.
Peço ao rapaz do supermercado que pese 10 quilos de feijão para mim. O rapaz me pergunta que tipo eu quero. Mas nos meus pequenos nove anos de idade não vejo a diferença entre os feijões, são todos iguais para mim. Aponto para uma feijãozinho pequeno e esverdeado e falo que aquele mesmo está bom. Era feijão de corda.
O rapaz então pesa os dez quilos de feijão de corda em um enorme saco de papel marrom.
Voltamos para casa e esperamos a Perua-Kombi do supermercado entregar nossas compras. Trazemos conosco nossas guloseimas que são saboreadas no caminho.
As compras chegam. Mamãe e Mãevelha conferem tudo. Mamãe abre o enorme saco com dez quilos de feijão de corda e se espanta:
"Mas o que má dos cachorro é isso, Rejane?!"
"Feijão, mãe".
"Mas é feijão de corda, sua danada!"
"Mas não é tudo feijão, mãe?"
Ouço um longo sermão e temo pelo próximo que ouvirei quando papai chegar do trabalho.
Ouço broncas e críticas sobre o "serviço mal feito" que fiz; era assim que mamãe se referia quando queria dizer que tínhamos cometido erros. 
Errar é humano, mas eu era só uma criança de 9 anos com responsabilidades e obrigações de adulto!
Nossa prima Terezinha e sua mãe, a Tia Anália, aquela do roubo dos crótons, fizeram minha defesa: "Mas Marlene, a menina é muito novinha. E tu queria que ela fizesse tudo certo, é?! A bichinha lá vai saber o que é feijão de corda? E depois o feijão vai ser comido mesmo, não vai?"
E a bronca, a crítica, o sermão pelo feijão de corda e por outros erros cometidos por mim na minha infância e adolescência adulta criaram em mim a mania de me auto criticar por pequenos erros e falhas. A mania de ser dura comigo mesma, de não me permitir erros tolos e de sempre procurar fazer o melhor, de ser séria e responsável.
Não julgo mal as broncas da minha mãe, faziam parte daqueles tempos difíceis e da cultura machista nordestina, mas o curioso é que mamãe de tão machista que era  sempre foi ela mesma o Homem da casa!
E também não abomino o feijão corda; que vai muito bem com farinha, carne seca e molhinho de feijão.
Feijão de corda
                                   

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