segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Restamos

O texto a seguir foi-nos enviado por uma grande amiga ao saber da ida de mamãe.
Azenilda, mas nós a chamamos carinhosamente de "Amiguinha".
Azenilda escreve muito bem e é de uma inteligência formidável. 
Vamos ao texto de Azenilda escrito em 09 de maio de 2001.




                                          
Restamos


Somos o que restamos e se restamos é porque não concluímos, ainda.
Dona Marlene concluiu, por isso foi.
O que está concluso ou (in)concluso é sempre uma grande interrogação.
Um grande mistério!
Envoltos nesse mistério debatemos-nos incrédulos diante desses "irremediáveis" e "definitivos" para concluirmos, depois, que talvez nem tudo seja tão irremediável e tão definitivo.
Mas esse não é o momento para verbalizar tais conjecturas. 
Estamos, vocês, bem mais que eu, vivenciando a concreção de uma perda e isso já é grande o suficiente para bastar-nos enquanto dor. Deixemos em hibernação as interrogações sobre o mistério que nos envolve, agora, e vejamos o que é possível fazer, bem depois.
Tudo que eu queria, neste momento, Rejane, Rosi e Renata, era não ter que sabê-las tão sofridas e, mais ainda e pior ainda, não está junto na tentativa de reduzir, se é que seria possível, o tamanho desse sofrimento.
Nessas quase quatro horas que se passaram entre o telefonema de Renata e o momento presente estive lembrando coisas e tentando descobrir como chegar até vocês. Tudo me pareceu inadequado. Nem mesmo minha presença física me pareceu apropriada.
Embora consciente de que ir-se é condição "sine qua non" para estar-se não me sinto recomendável, a vocês, hoje.
Estou, portanto, muito mais recomendável à distância.
Nessa distância dá para lembrar não a Marlene que eu conheci, essa era óbvia demais, dá para imaginar, a partir do sabido através de Rejane e do que me foi mostrado pela própria, a bravura, a firmeza, e o poder que tinha essa mulher "pequena" para os padrões Soares, diante da vida e dos "vocês" aí incluído o parceiro de tão nobre produção, as razões primeiras e talvez únicas de sua existência.
Diante dessa mulher que hoje, numa horizontal imposta, coloca-se diante de vocês, não se pode chorar a perda, chora-se pelo ganho de tê-la tido por poucos, porém intensos, 55 anos. Vai ver que esse era o tempo necessário.
Era tão inteira, tão intensa e tão inquieta que rapidamente concluiu a obra.
Pessoas como Dona Marlene não partem. Deixam-se ficar em cada gesto, em cada ato, em cada lição dada e aprendida por cada uma de vocês.
Uma mulher que, de tão forte e apressada, atropelava sentimentos e tratores como se pertencessem à mesma classe de substantivos abstratos e tudo era concreto a ser quebrado caso um dos "vocês" estivesse entre.
De repente, Amiguinha, dada a estirpe dessa mãe que hoje conclui a sua obra e vai, ir-se agora foi escolha sua. Decisão, pura e simples. As pessoas habituadas a decisões não suportam não tomá-las e poderia ser esse o preço para não ir.
Bem, amigos todos: Rejane, Renata, Rosi, Sr. Dedé, Belo, Fubá, Baleia Azul (?) e, com a devida permissão, eu e mais um montão de gente que teve a felicidade de tê-la, somos os restados , aqueles que não concluíram, ainda, e que precisávamos ter tido, como tivemos, uma Marlene para quebrar o concreto, suavizando assim, o caminho que nos resta até a nossa própria conclusão.
É preciso coragem, ela tinha.
Busquem, em suas lembranças, as "n" ocasiões de pura demonstração de coragem e abasteçam-se lá para enfrentar este triste momento.
Dizer-lhes que estou solidária à dor de vocês é redundância.
Sinto-a verdadeira e intensamente.
Um beijo para todos.
Azenilda.
                                            


                                         

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