quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sermões de papai. Mais "inguinórança"







Mais pérolas, ou melhor, mais "inguinóranças" de José Soares Neto, o Dedé; meu pai.
Papai levantava-se cedo todos os dias; mesmo nos fins de semana e feriados. É um hábito do nordestino levantar-se bem cedo.
Papai ia para a sala e ligava a TV para assistir a missa das seis horas da manhã! Nós pedíamos para mamãe pedir para ele abaixar o volume; estava muito alto e nós queríamos aproveitar mais umas horinhas de sono tranquilo antes de começar a sessão sermão. Infalível!
Pronto. Bastou mamãe fazer nosso pedido e papai iniciou o falatório. Jesus!
"...Que voceizi devia ir assistir uma missa". E o senhor vai? Perguntávamos nós cheios de coragem com o apoio de mamãe.
"...Voceizi não vão a igreja pra ver o padre". Ver o padre pra quê? E o senhor também não vai à igreja e quer que a gente vá?!!! Vixe! Papai ficou doido!
"Eu não careço de ir a igreja, eu não tenho pecado! Eu não tenho defeito". Claro, o senhor é o homem de Deus.
"Sou o homem de Deus sim! Meu único defeito é ser pobre. E é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o rico entrar para o Reino do Céu".
Mas quem falou de rico e de camelo aqui?
"Voceizi são tudo inguinórante! Vão pra escola todo dia e não sabem de nada!"
Olhávamos para cima como que pedindo um milagre quase impossível: papai parar de falar.
Papai detestava quando fazíamos isso; dizia que ficava com o "má dos cachorro" quando a gente "revirava os zóio pra cima".
Dali a pouco ouvíamos alguém chamar do portão. Graças a Deus! Uma pausa no sermão.
Eram os amiguinhos de Fubá, meu irmão, que vieram chamá-lo para brincar na rua e aprontar muitas das suas artes.
Um tempo depois Fubá voltava da rua e acendia a luz da sala para mostrar um pipa que havia pego. Pra quê? Lá vinha sermão de novo.
"Pra quê essa luizi acesa meio dia em ponto!". Mas não é meio dia em ponto, são só 9 horas! Mais sermão.
Hora do almoço. Arroz, feijão, a sempre presente farinha de mandioca, salada de alface e tomate e de mistura ovo frito ou cozido.
Papai não gostava da mistura do dia. Dizia que nasceu comendo carne; que não era cavalo pra comer bredo (alface); que Deus disse que nem só de pão vive o homem, carece de comer uma carninha também. 
Mas pai, quer dizer que não é só de comida que vivemos; precisamos alimentar a alma também. E o senhor tomou leite da sua mãe quando nasceu. Ninguém come carne quando nasce. Oxe!
"Oxe menino! E derna de quando morto come? Deus disse que nem só de pão vive o homi é pruquê a gente tem que cumê carne também!".
Mamãe dizia que era o que tinha e que devíamos dar graças a Deus, pois tem muita gente passando fome pelo mundo.
Mas papai não aceitava: "Eu trabalho que nem um fio duma égua pra não ter um pedaço de carne pra cumê?! Deus disse que ...".
Tá bom pai, pelo amor de Deus! 
Mas o sermão continuava: sobre comida, carne, camelo, agulha, rico, bíblia, Deus, meio dia em ponto... e ia longe.









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