terça-feira, 8 de novembro de 2011

Homens de Preto (o descanso do meu avô)



Mãevelha está preparando o café da manhã e me manda chamar Paipreto.
Paipreto dorme pesadamente e não me escuta chamá-lo.
Eu volto para cozinha e digo a Mãevelha que Paipreto não quer acordar. Minha avó vai até o quarto e sem entrar, grita da porta: O João, deixe de graça, se alevanta que a água do seu banho já tá morninha. O café tá pronto. Avia, se não vai esfriar".
Mas Paipreto continua sem responder e Mãevelha entra no quarto para dar broncas no meu Paipreto sem juízo, como ela dizia.
Mãevelha sai do quarto e me manda chamar mamãe que estava trabalhando numa casa de família. Oxe! Chamar mamãe pra acordar Paipreto?!
Quando volto com mamãe encontramos a casa,o quintal e a rua cheia de gente. 
O que esse povo todo faz aqui? Veio todo mundo visitar a gente? Será que o homem das galinhas trouxe a encomenda de Paipreto? Deve ser isso.
No dia anterior meu avô disse a Mãevelha que estava com vontade de comer galinha à cabidela (ao molho pardo) e que ia encomendar a penosa ao velhinho vendedor de galináceos.
Chegam os homens de preto. Mãevelha e mamãe os atende e são orientadas a ficar na cozinha enquanto eles preparam meu avô; vão banhá-lo e vesti-lo com roupas claras, limpas e sem adornos.
Eu acho que meu avô vai vai a algum lugar e por isso tem que ficar limpo, arrumado e bonito.
Os homens de preto saem do quarto e logo em seguida nos liberam para sair da cozinha.
Paipreto está no caixão. Ainda dorme. Paipreto nunca dormiu tanto assim! Sempre gostou de levantar cedo.
Mais gente chega. Tio José vem do Recife, outros parentes, amigos, conhecidos também chegam.
Algumas horas depois aquela multidão segue em direção ao cemitério. Eu pergunto a alguém que lugar é aquele, por que estão levando meu avô pra lá?
É para ele descansar um pouco, depois ele vem. 
Mas por que ele não pode descansar na cama dele mesmo?
A pessoa desconversa e alguém me pega pelas mãos e caminha comigo em direção contrária ao cemitério. Ficamos numa casa branca de muros brancos; eu ando pra lá e pra cá e pergunto inúmeras vezes porque está demorando tanto. Quero ir pra casa, quero ver minha mãe, minha avó, meu avô.
A noite chega e somos chamados para jantar. Mas cadê Paipreto? Ele não vem? Não está com fome? 
Todos os dias esperamos; todas as manhãs vou ao quarto pra ver se ele já voltou do descanso. Do quarto vamos ao portão e todo velhinho que avistamos ao longe achamos que é Paipreto que está chegando.
A seca e as dificuldades tornam-se maiores e mais fortes. O dinheiro de São Paulo demora a chegar. Mamãe sai para procurar emprego e vai a um asilo de salão largo e enorme. Fileiras de camas de ferro dos dois lados do corredor. Janelas altas e abertas para o vento entrar. Faz muito calor. 
Mamãe conversa com uma moça responsável pelo asilo e ouço parte da conversa enquanto observo aquele lugar grande, cheio de velhinhos, mas vazio de esperança.
A moça fala para mamãe que aqueles são idosos que as famílias abandonaram, não queriam mais ter trabalho com eles. Muitas dessas famílias se mudaram para a capital Recife ou para São Paulo. Mas não pode falar isso para os velhinhos, tem que dizer que logo logo a família vem vê-los. É que moram longe, a estrada é difícil, perigosa e outras desculpas tantas.
Uma velhinha costura bonecas de pano. Eu observo os dedos enrugados, as mãos deformadas pela idade,porém muito hábeis no trato com a agulha. Ela estende a mão e me entrega a boneca; diz que está fazendo para a neta que virá visitá-la. 
Mamãe me manda devolver a boneca porque senão, a neta da senhora vai ficar triste.
Devolvo e caminho pelo largo corredor. 
Numa cama perto da janela tem um velhinho que tosse muito. É Paipreto!
Chamo mamãe e digo que descobri onde Paipreto tinha ido para descansar. Ele estava ali! Então agora podíamos ir todos para casa.
A moça do asilo entende a situação e diz que o meu avô está tomando remédio para a tosse e assim que ficar bom irá para casa conosco.
Eu não quero entender, aceitar. Meu avô sempre tossiu e sempre ficou com a gente! Por que isso agora?
Seguro na mão do velhinho e faço força para tirá-lo da cama. Vamos Paipreto, o senhor está bom, vamos pra casa. Mãevelha está esperando. 
O velhinho sorri para mim com os olhos marejados. Mamãe desculpa-se com a moça do asilo e diz que voltará outra hora.
Saímos do asilo. Lá fora um fim de tarde dourado e belíssimo. Árvores muito altas cercando o asilo e formando um corredor natural.
Olho para trás muitas vezes; tento convencer mamãe a voltar e buscar Paipreto. Aquela moça sequestrou meu avô. E por que Paipreto não fez força para levantar daquela cama?
Fiquei brava e decepcionada com meu avô. Senti culpa também. Será que eu tinha feito alguma coisa que magoou Paipreto e por isso ele foi embora para aquele asilo?
Mas o que foi que eu fiz, meu Deus do céu?





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