sábado, 26 de novembro de 2011

Papai

                                            


Papai é personagem de muitos casos engraçados. Hoje rimos de tudo isso, mas em épocas de vida em família com seu José Soares e suas "inguinórança" dava até raiva, meu. Era muita implicância, sermão, ignorância...Ave Maria!
Como já foi dito, papai tinha seu próprio modo de falar, o seu português próprio com sua marca de oralidade.
Papai adorava andar cheiroso. Tomava seu banho de gato de 5 minutos e depois despejava o vidro de perfume em cima da cabeça. Mamãe e nós criticávamos os banhos rápidos de papai e ele dizia: "Oxe. É num carece de demorá tanto no banho não. Pra gastá água? Num tem precisão disso não sinhô". E eu sempre gostei de andá cheiroso, por isso uso bastante prefume".
Papai já tinha consciência ecológica e estava preocupado com o aquecimento global.
Aos sábados e domingos mamãe gostava de preparar pratos leves para jantar, estava cansada do arroz-feijão-farinha-carne de todo santo dia. Mas papai, só pra contrariar dizia que queria comida e ponto final. Mamãe oferecia torta ou lanches e papai sempre reclamava: "Oxe. O pião trabaia a semana todinha de chocaio tampado e vai cumê tóta? Não sinhora, muito obrigado! Eu quero o di cumê!". 
E lá ia mamãe esquentar feijão, fritar bife...
Somos convidados para casamentos e papai pede a mamãe para passar o palitô (paletó). Francês é mais chic, né?
Papai vai ao banco Bradisco (Bradesco).
Mamãe oferece janta mas papai para contrariar pede um sanduísque (sanduíche).
Pesquisamos nos livros para um trabalho de Ciências - não havia Internet na época - e encontramos sanguessugas, mas papai, claro, diz que o livro e nós estamos errados; é xamexuga. "Mas pai está no livro". "Não sinhô. Vocêizi tão errado. O livro tá errado. É xa-me-xu-ga!".
Uma visita chegava em casa para anunciar o nascimento do neto, do filho ou do sobrinho e mamãe perguntava: "A mãe e a criança estão bem? É o primeiro filho que você tem?"
Se a visita fosse do sexo masculino, papai interrompia a conversa para dizer: "Quem teve a criança foi a mulher dele. Homem não tem, quem tem é mulher,homem pissui (possui)".
Papai também tinha o saudável hábito de acordar (e a nós também) bem cedo,mesmo nos fins de semana; batia na porta, abria a janela e dizia: "Os passarinho que não deve nada a ninguém já tão de péis e vocêizi drumindo ainda uma hora dessa!".
"P.Q.P os passarinhos. Nós trabalhamos a semana toda e temos o direito de dormir até mais tarde no domingo. Pelo amor de Deus", reclamava Rosi.
Papai retrucava: "Pelo amor de Cristo. Nunca vi uma pessoa acordá com tanto mau amor (mal humorque nem essa menina. Credo em cruz".
Papai também era muito econômico, mão de vaca mesmo, e queria que as compras do mês durassem mais que um mês. Impossível numa casa com tanta gente.
Papai ficava doido quando mamãe nos mandava pedir dinheiro a ele para comprar qualquer coisa, principalmente sabão. Acho que papai estava preocupado com a espuma dos sabões e detergentes nos rios.
Nenhum de nós queria enfrentar papai e tentávamos subornar um ao outro para ir em nosso lugar. Prometíamos dinheiro, liberar a televisão, o aparelho de som, alguma roupa nova e por aí vai.
Íamos, mas voltávamos sem dinheiro e sem sabão. Papai voltava do trabalho mas antes passava no mercadinho e comprava o sabão mais sem vergonha que tinha. Mamãe ficava doida: "Dedé, e tu qué que eu lave tuas roupas sujas de óleo com essa sabão nojento, é? Oxe, isso não presta não!".
"Sinto muito. E tu qué que eu me vire em sabão ou em dinheiro, é? Oxe, fizêmo compra dias desse. Parece que tu come sabão, mulé"
"Que esses dias o quê. Já tá com mais de quinze dias que as compras foram feitas".
"E vai ter que aguentá mais quinze dias, minha filha, pois o pagamento só sai de hoje a oito (em uma semana)".
Íamos à feira com mamãe, que sempre comprava o básico: laranja, banana, batata, cebola, tomate, coentro e temperos moídos na hora. Frutas como maçãs, peras, uvas e outras, eram coisa de rico e nós não éramos ricos. Éramos ricos das graças de Deus, como mamãe gostava de dizer.
Chegávamos da feira e papai contava as bananas. Deixava algumas na fruteira em cima da mesa e escondia o resto debaixo da cama!
A fruteira ficava vazia em alguns dias e papai reclamava: "Vô na casa do povo e vejo as fruita na mesa, aqui as fruita se acaba de um dia pro outro. Isso é coisa de gente amundiçado"
Lá pelo meio da semana sentíamos um cheiro de fruta amadurecida e víamos mosquitinhos sobrevoando o local do esconderijo; as bananas tinham estragado.
O leite era só para crianças de até um ano de idade; fez um ano e um dia já não podia mais tomar leite. Na mentalidade de papai, quando a criança completa um ano de idade já está grande o bastante para comer comida de panela e não carece mais de tomar leite. A carestia tá grande.
Às vezes converso com minha irmã Rosi e nos perguntamos como é que não nos tornamos pessoas erradas, envolvidas com coisas erradas; como é que não ficamos malucos (há controvérsia) ou com outros tipos de problemas. Somos muito fortes, ou não era mesmo para sermos pessoas erradas, ou foi um milagre. 
Deus existe.
                                  









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