sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Almoço em família

                                               


Eu tinha 18 anos e adorava aquelas revistas tolinhas que falavam sobre simpatias, horóscopo e amizades.
Havia uma seção na revista que trazia nomes e endereços de pessoas que queriam fazer novas amizades. Não havia Internet nem redes sociais naquela época e o romântico hábito de escrever cartas ainda estava em voga.
Pensei em participar desse movimento literário e mandei carta para revista e confesso que duvidei muito que alguém me escreveria. Me enganei.
Recebi várias cartas e entre elas a de um rapaz (nem tão rapaz assim, veremos a seguir) de família, honesto, trabalhador e cumpridor de seus deveres, como mamãe adorava dizer.
Trocamos correspondências e o rapaz sugere que nos conheçamos pessoalmente. Vixe!
Mas papai e mamãe nunca me deixariam sair sozinha para encontrar um estranho; de jeito maneira, jeito qualidade!
Escrevi ao simpático rapaz e contei a situação e ele sugeriu que fossemos todos jantar no restaurante onde ele trabalhava como maitre (lê-se "métre"). 
Saí com ele algumas vezes e íamos sempre almoçar e depois ao cinema. E minha irmã Rosi ia comigo para manter minha segurança física e garantir que nada de mais acontecesse.
Como eu disse, eu tinha dezoito anos e ele disse que tinha trinta e dois. Só se fosse trinta e dois anos que chegou em São Paulo!. Ele deveria ser um quarentão.
Bem...
Fomos a nobre e distinta família jantar no restaurante do nem tão jovem e distinto rapaz.
Fomos bem tratados e para retribuir a gentileza mamãe o convida para almoçar em nossa casa. Ele era nordestino também e apreciava comida nordestina.
Mamãe organiza tudo e nos pede: "Olhem, pelo amor de Deus se comportem bem e finjam que são civilizados. Não me matem-me de vergonha!".
"Tá booooooooom, mãe".
E papai, claro, também deu seu sermãozinho básico: "Olhe, e deem um jeito nesses gatos sem educação de vocês. Não deixem esse gatos pular nas coisas e no rapaz. Não me matem-me de vergonha".
"Tá booooooooom, pai".
Chega o grande dia e estamos todos tomados banhos e vestidos com nossas melhores roupas. E sobrou até para Mãevelha, que deixou sua cama e veio até a sala para recepcionar o rapaz.
Como ele não conhecia bem o nosso bairro, mamãe pede a um motorista de táxi conhecido nosso que busque meu pretendente. Rogério e Naldão foram junto.
Dali a pouco eles chegam e mamãe vai ao portão para recepcioná-lo. Naldão e Rogério descem rapidamente do carro, correm ao meu encontro e educadamente dizem: "Oxe, cara feio da p...! O cara tem orelha de Spock e é véio. Você não vai casar com ele não, né?".
Eu fingi que falava amenidades com meus adoráveis irmãos e sorri para o nem tão jovem mancebo que vinha todo alegre e sorridente em minha direção.
Entramos e nos acomodamos; o almoço já seria servido.
Tinha muita fartura de comida e vários tipos de carne. 
Pra falar a verdade, éramos meio boçais e não gostávamos de usar garfo e faca para cortar a carne, a segurávamos com as duas mãos e cortávamos com os próprios dentes. 
Mas hoje já conseguimos usar talheres. A quem interessar possa.
Bom...
Mãevelha não sabia usar garfo e faca e comia com colher. Mamãe faz o prato de nossa avó e pergunta se ela quer que corte a carne em pedaços pequenos, mas Mãevelha diz que não carece não. 
Mãevelha começa a comer e segura o bife com as duas mãos e dá uma mordida, mas ela fez de um jeito que a carne escapou de suas mãos e voou longe. Os gatos estavam perto dela e correram como quem aposta corrida para ver quem chega primeiro; parecia vídeo cassetada do Faustão. 
Que vergonha!
Mamãe disfarçou, sorriu amarelo e ofereceu mais comida ao rapaz. 
Papai, milagrosamente e num esforço sobre humano, segurou seu sermão.
Termina o almoço em família, graças a Deus. O rapaz agradece pela calorosa recepção e troca palavras gentis e educadas com papai e mamãe que o convidam para mais visitas à nossa nobre e distinta família em nossa humilde residência.
A rasgação de seda termina e meu pretendente volta para casa. Ufa!
E papai começa seu sermão. Reclama de Mãevelha que deixou a carne "voar", dos gatos que "voaram" atrás da carne, disso, daquilo...
E para quem estiver curioso; não, não me casei com o simpático rapaz nem com ninguém.
Mas continuo gostando de gatos.


                                                  



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