quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Curioso

                                             


Na nossa linguagem pernambucana, curioso/a é a pessoa que entende de tudo um pouco; que é capaz de trocar desde uma lâmpada a um botijão de gás.
Mamãe vivia elogiando os maridos, filhos, genros e o restante da ala masculina da vizinhança por serem curiosos.
Papai era uma negação. Meus irmãos nem se fala.
Para fazer qualquer conserto, por menor que fosse, papai montava um esquema tático digno de filme de ação. Pelo amor de Deus!
Papai resolvia que naquele dia iria consertar o que estivesse para ser consertado e nós já sabíamos que aquilo não daria certo. E isso deixava papai mais doido ainda com a gente.
Papai dizia: "Hoje vou consertar aquela torneira do tanque que está pingando; é só colocar uma borrachinha nova".
"Vixe", dizíamos nós.
E para variar, lá vinha sermão.
Papai fechava o registro da água para trocar a borrachinha da torneira, mas tudo que conseguia fazer era uma bagunça danada. Papai deixava restos de borrachinha para um lado, panos molhados para outro, ferramentas e tudo o que estivesse perto e servisse de suporte técnico.
O serviço ficar imprestável, uma caca mesmo. Era preciso chamar um vizinho curioso para consertar os dois estragos: o que já estava ali e o que papai tinha feito.
Papai não gostava que duvidássemos de sua habilidade manual e consertadora (mais para destruidora) das coisas e gostava menos ainda quando mamãe nos mandava chamar o marido, genro ou filho de alguma vizinha.
Papai dizia: "Voceizi não me dão valor. Só sabem me omilhar, me créticar e abater minha moral. De hoje em diante não vou arrumar mais nada nessa casa!".
"Graças a Deus", pensávamos nós.
Papai também tinha seu ritual que seguia fielmente toda vez que se metia a arrumar alguma coisa; papai sempre pedia café e cigarro.
"Corre lá meninos, teu pai quer café e cigarro".
Papai sempre agoniado e apressado não tinha paciência para esperar passar o café e dizia que podia ser café velho mesmo. O cigarro tinha que ir aceso. Papai e mamãe fumavam que nem duas Caiporas e o curioso é que nenhum de nós seis filhos adquiriu esse horrendo hábito. Ainda bem.
Dia desses tentei subir na escada para trocar uma lâmpada queimada. Lembrei-me de papai. Depois troquei o botijão de gás. Lembrei-me de papai.
Fiz tudo isso sozinha e quase sem problemas. E sem café nem cigarro.
Papai.


                                    


                                      

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